De acordo com especialistas, a alta taxa de contágio pode ser justificada pela flexibilização feita em diversos estados e municípios. O estado de São Paulo, por exemplo, anunciou em 27 de maio o plano de retomada da economia. Na capital, o comércio de rua foi reaberto em 10 de junho. Os shoppings, um dia depois. “Uma flexibilização feita sem segurança influencia diretamente na taxa de contágio. O que está aparecendo, agora, é resultado de atos de 15 dias atrás”, alerta Carlos Machado, pesquisador da Fiocruz.
O especialista afirma que a retomada de atividades em grande parte do Brasil foi feita de maneira insegura. “O que está ocorrendo é temerário. Para se ter segurança na flexibilização, é necessária uma queda sustentada de casos e óbitos, pelo menos nos últimos 15 dias. Não tivemos isso. O que tivemos foi uma desaceleração do crescimento e uma diminuição da tendência de crescimento”, disse.
O Ministério da Saúde chegou a constatar que era possível observar uma tendência de estabilização da curva da covid-19 no país. O secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia, afirmou, em 18 de junho, que o Brasil entrava no platô. No entanto, uma nova avaliação, com base no fechamento da semana epidemiológica 25, mostrou que o país teve um aumento significativo de novos casos. A região Norte foi a única que apresentou redução no número de casos e óbitos pela covid-19.
Modelos massivos ao redor do mundo
Especialistas indicam que nenhum país retomou as atividades no patamar da curva que o Brasil se encontra. Machado indica que Espanha, Itália e Reino Unido só começaram a flexibilizar as medidas de isolamento social quando se observou uma queda sustentada. A testagem massiva pela qual Itália e Espanha optaram foi capaz de controlar a disseminação do vírus, promovendo políticas públicas que resultam na queda da curva de novos casos e, consequentemente, óbitos — ambos países têm reportado menos de 50 mortes diárias há semanas.
Enquanto no Brasil são aplicados 13.452 testes por milhão de habitantes, na Espanha esse número é 8,2 vezes maior: são 110.426 exames por milhão. Na Itália, a taxa é de 85.394, mais de seis vezes superior à brasileira.
Para se equiparar aos dois países europeus, o Brasil teria de testar entre 18 e 23,4 milhões de pessoas — a nova etapa de testagem planejada pelo governo federal seria suficiente para chegar a esse patamar. Na visão do criador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico Gonzalo Vecina, apesar de esse planejamento ser um “grande avanço”, ele não é suficiente sem o prosseguimento das etapas de contenção. “De nada adianta saber quem está contaminado, se não houver controle efetivo do infectado e do grupo que teve contato com ele.”
É necessário, após a identificação, entrar em contato com os contactantes. “Tem de distribuir esses testes pelos municípios e na atenção básica para identificar os que tiverem com os sintomas. Se der positivo, pede-se para indicar cinco contactantes. Neste grupo, pela atual taxa de contágio, é provável que se encontre dois infectados, ainda nos primeiros dias de infecção. Nesse nível, normalmente, os contactantes positivos ainda não têm sintomas manifestados. Assim, cria-se uma barreira efetiva para impedir a transmissão descontrolada do vírus”, explica Vecina.
Na Coreia do Sul, exemplo amplamente utilizado em estudos pela alta capacidade de aliar a testagem a outros elementos necessários para controlar a doença, registraram-se 12,6 mil casos e mais de 280 mortes. No país, praticamente todos os cidadãos eram monitorados por meio de aplicativos e, com isso, o governo conseguiu acompanhar e prever as infecções, contendo um potencial surto logo no início.
Recentemente, os Emirados Árabes iniciaram uma forte política de testagem, detectando assintomáticos e pré-sintomáticos com eficiência. No grupo de países com mais de 30 mil infectados, a nação árabe lidera a quantidade de exames por milhão de habitante, com 317.140 aplicações neste recorte. A região soma, aproximadamente, 46,9 mil infecções e 310 mortes pela covid-19.
Adequações
Apesar de serem exemplos que destoam da realidade social, econômica e geográfica brasileira, metodologias de complemento ao diagnóstico podem ser replicadas com adequações. É o que tenta fazer, por exemplo, Distrito Federal, Rio de Janeiro e estados do Nordeste por meio de aplicativos de monitoramento. Pela plataforma, o usuário tem acesso à informação segura e de qualidade, além do acompanhamento do estado de saúde. Caso seja um paciente suspeito, pode, ainda, ser indicado para testagem e, havendo confirmação, indica-se contactantes para facilitar o rastreamento. “O Brasil tem condições de avançar com essa técnica, mas precisa de um esforço coordenado para isso”, ressalta Vecina.
Por enquanto, o passado recente nacional segue como mau exemplo na disseminação da doença e faz um seguidor. Para Vecina, o México, que atualmente é o pior em rastrear infecções dentro dos países com mais de 30 mil casos, segue a posição que ocupou o Brasil semanas atrás. “O México é comparável até na incapacidade do presidente. Apesar de um líder ser de direita e o outro, de esquerda, ambos desprezaram a força do que é mais do que uma gripezinha e estão pagando o preço dessa ignorância.”
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