Correio Braziliense
postado em 28/06/2020 04:14
De volta à casa dos familiares para se protegerem da pandemia de coronavírus, muitos gays, lésbicas, travestis e transexuais deparam-se com outro perigo: a intolerância e o ódio de pais, irmãos e parentes, que deveriam oferecer amor, aceitação e proteção. Muitos passarão o dia do orgulho LGBTQIA+, celebrado hoje, sob o jugo da violência física, verbal ou psicológica. É o que alertam especialistas e ativistas. Atualmente, somam-se às pautas do movimento a necessidade de refletir e dar suporte ao modo de vida dos entes queridos. Modo de vida que, acima da percepção do diferente, é natural.
A falta de uma legislação que proteja, positivamente, essa parcela da população e solidifique as conquistas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), como a união estável, casamento em cartório e o direito de registrar um filho, preocupa o advogado, especialista em direito das famílias, membro da Comissão de Direito Humanos da OAB-RJ e ativista Luiz Octávio Martins Mendonça. “Precisamos de uma legislação para todas essas práticas. O Brasil é o país que mais mata travestis no mundo e não há políticas públicas para modificar esse cenário”, lamenta.
Estão previstos diversos encontros virtuais para celebrar a data. Mendonça destaca a importância de a comunidade permanecer unida. “Entendo que as pautas, daqui para a frente, devem estar voltadas para leis que garantam a adoção homoafetiva, a relação homoafetiva como entidade familiar, a criminalização da homofobia e da LGBTfobia. Esse é o avanço necessário. E que parem de nos matar. As comunidades só querem o direito de expressar a manifestação natural do afeto”, afirma.
Primeira mulher trans que conseguiu seguir trabalhando na Marinha, a secretária de articulação política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, destaca que o número de assassinatos de pessoas trans em 2020 já é maior do que todo o ano de 2019. Foram 64 no ano passado ante 89 este ano. Ela preocupa-se com o aumento da violência contra LGBTQIA durante o isolamento social. “O retorno às famílias traz graves problemas”, diz.
Resistência
“O ponto mais urgente é a resistência, como um movimento que luta pela liberdade sexual, de gênero, de se relacionar e de ser quem você é. O movimento não é sobre glitter e bandeiras coloridas, mas um posicionamento contra a repressão. Precisamos de uma organização popular para fazer um movimento capaz de enfrentar o retrocesso e as políticas de um governo lgbtfóbico e anticientífico. Parcela da população LGBTQIA tem enfrentado marginalização e vulnerabilização”, avisa.
O presidente da ONG Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira, também alerta para o risco de aumento da violência no seio da família contra LGBTQIA . “Não poderemos ir às ruas neste dia 28, o único em toda a história do movimento. E retornamos para a família, com quem, muitas vezes, há uma relação difícil. Se, por um lado, é um elo importante, muitos precisam cortá-lo para sobreviver. Recebemos depoimentos de conflitos do Brasil inteiro, e esperamos poder refletir sobre a tolerância e a possibilidade da convivência familiar harmônica. Que seja um dia para as famílias refletirem sobre a importância de apoiar as decisões do seus filhos homossexuais”, diz.
O deputado federal David Miranda (PSol-RJ) destaca que é preciso representatividade maior no Congresso. “Hoje, só 22 deputados se intitulam negros. Só um se declara LGBTQIA . Só temos uma indígena. Não temos a proporção democrática. No ano passado, a parada de São Paulo foi a maior de diversidade do mundo, mesmo sendo no país que mais nos mata. Mais de 4 milhões foram às ruas”, lembra.
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