Correio Braziliense
postado em 03/07/2020 04:14
Estabilizar para dar novo passo
A decisão de colocar um fim na quarentena iniciada para conter o novo coronavírus provoca polêmicas entre pesquisadores e gestores de todo o país. No mesmo dia em que o governo do Distrito Federal publicou um decreto para liberar as atividades comerciais, industriais e educacionais presenciais na capital, o diretor do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, Gustavo Fernandes, afirmou que seria necessário uma maior estabilização na curva de casos de covid-19 antes da retomada de alguns serviços.
Em entrevista ao programa CB.Saúde, parceria do Correio Braziliense e da TV Brasília, o oncologista questionou a hora de dar o próximo passo em relação à flexibilização do isolamento social, mas afirmou que vê vontade do GDF e de outros gestores em acertar o momento ideal para uma possível reabertura. Para Fernandes, existe uma dificuldade natural no enfrentamento da doença, já que as informações estão sendo construídas em tempo real. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Em um contexto de pandemia, é preciso estar pronto para voltar atrás em determinadas ações?
É muito mais razoável assumir uma previsão errada e mudar o curso das coisas a seguir no caminho equivocado. De fato, se tem pouca informação (sobre a covid-19). As informações estão sendo construídas em tempo real e não tem um livro guia de como lidar com isso neste momento; está sendo construído. Então, existe uma dificuldade natural que enfrentamos ao lidar com essa doença. É preciso enfrentar essa situação com humildade necessária de entender que a gente sabe pouco, que está aprendendo. E chamar pessoas que entendem da situação, como infectologistas, pneumologistas e intensivistas. Não dá para a gente se ater muito ao que se falou ontem e entender como se fosse uma promessa por que, de fato, a cena muda todo dia e variáveis novas surgem diariamente. É um o exercício de muita humildade, de dizer “errei, vamos ajustar e tentar buscar o caminho correto”.
Como vê a situação de Brasília?
O governou decretou estado de calamidade e depois anunciou a retomada de atividades.
Eu vejo muita vontade do governo em acertar. Estão o tempo inteiro fazendo modelagens que visem minimizar danos e ajustar as coisas. É a melhor prática possível. Isso está sujeito a erros e tem que ser sujeito a revisão. Quando olhei, duas semanas atrás, para a reabertura, eu achei que concordava com isso, mas duas semanas depois, o número de casos subiu e a ocupação de leitos de UTI também subiu. Então, eu fico me perguntando se está na hora de dar o próximo passo. Na minha visão, temos que estabilizar isso um pouquinho mais, antes de dar o próximo passo. Mas eu não sou o tomador de decisão e eu tenho certeza que o governo usa algoritmos, especialistas e predições que devem apontar que é viável abrir no dia 7 (de julho). Também tenho certeza que o governo vai mudar a recomendação caso veja, mais próximo da data, que não temos que fazer isso. As verdades estão envelhecendo muito rapidamente e a gente tem que se acostumar a mudar de ideia.
Quando o Brasil terá vacina?
Dando-me o direito de errar, acho que não menos que seis meses. Mas eu acho improvável que, com o investimento que tem sido feito e com os testes preliminares, que têm obtidos resultados positivos, a gente não tenha nada o ano que vem. Então, acho que entre seis e 18 meses. Essa é a minha impressão. Talvez alguma coisa no fim do ano, mas sem a quantidade de produção apropriada para que a gente tenha uma proteção da população. E, aí, a vacina deve ser mais distribuída para o mundo no ano que vem. Essa é a minha impressão baseada no que eu li e nas percepções que eu tenho desse mundo.
Críticos a vacinas questionam a segurança de sua fabricação. Os critérios de segurança são seguidos, apesar da urgência da situação?
O advento das vacinas foi uma das coisas que mais modificaram a nossa extensão e qualidade de vida. Basta dizer que um brasileiro, 100 anos atrás, tinha uma estimativa de vida ao redor de 30 anos. Com as vacinas e a medicina alopática, a gente conseguiu estender a vida das pessoas, e uma das grandes bases é a vacina. E isso é uma coisa que o Brasil tem tradição e faz bem. O Brasil vacina muito, tem programas vacinais muito significativos e dá atenção a esse ponto.
Por quê?
O desenvolvimento de qualquer fármaco e tratamento passa por fases: a primeira é a fase de segurança, na qual se prova se aquilo não faz mal às pessoas de qualquer maneira. E só passa para fase de eficácia depois que se tem os dados mínimos de segurança. Ainda antes dos dados de segurança, isso é estudado em animais que têm sistemas semelhantes ao nosso. Isso custa tempo, dinheiro e muito trabalho das pessoas. Então, hoje, é muito improvável que um fármaco ou que uma vacina vá para o mercado e se prove inseguro no futuro.
Há um acompanhamento posterior, então.
Mesmo quando você passa em um estudo de fase 1, 2 e 3, que é o que valida a vacina habitualmente, você tem os estudos de acompanhamento no mercado, especialmente quando as drogas ou vacinas são lançadas de maneira rápida porque as pessoas não podem esperar. A gente vai ter que acompanhar os pacientes vacinados ao longo do tempo e ver se aparece algum efeito adverso, mas os dados de segurança já vão estar muito estruturados. É uma cena controlada, mas que carrega um grau mínimo de insegurança que tem que ser monitorizado.
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