Correio Braziliense
postado em 22/07/2020 06:00
Não há interesse por parte do Ministério da Saúde em continuar o financiamento da pesquisa considerada mais completa sobre dados da epidemia da covid-19 no Brasil. Em coletiva de imprensa, o ministro interino da pasta, Eduardo Pazuello, confirmou ontem a interrupção da EpiCovid BR-19, desenvolvida pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
"A pesquisa dessa forma ficou mais regionalizada e tivemos dificuldade de transferir o raciocínio para fazer uma triangulação das ideias para efeito de Brasil, como um todo. O Brasil é muito heterogêneo a gente precisaria de pesquisas individualizadas em cada região do país", justificou Pazuello, ponderando ter achado a pesquisa "muito boa".
Desde a apresentação dos resultados das três primeiras fases da pesquisa, fornecendo amplo material que repercutiu na mídia, já havia a especulação de que o governo não teria interesse em continuar com as divulgações. O Ministério Público junto ao Tribunal de contas da União (TCU) chegou a, inclusive, entrar com uma representação com o requerimento de medida cautelar, em que o procurador Lucas Furtado afirma que a pesquisa deve ser mantida até tribunal decida sobre o mérito.
A confirmação de que o Ministério da Saúde não continuará a financiar a pesquisa surpreendeu até mesmo o coordenador da EpiCovid e reitor da UFPel, Pedro Hallal. Em entrevista ao Correio, ele afirma não entender a decisão e diz que não foi informado sobre, o que considera "desrespeito" e falta de prioridade da gestão à Ciência. Confira:
Na passagem ao Rio Grande do Sul, Pazuello justificou a interrupção do incentivo à EpiCovid por ser muito regionalizada. Concorda?
Não consigo entender. O ministro falou que a pesquisa foi muito regionalizada, teria um impacto regional e não Brasil. Só para você saber, a gente brinca que a pesquisa não é do Oiapoque ao Chuí, é do Oiapoque a Pelotas. Ela pega de Cruzeiro do Sul do Acre até João Pessoa. Então, assim, é uma pesquisa de 133 cidades do Brasil, espalhadas em todos os estados da federação. Não dá para entender o que o ministro quis dizer com pesquisa regionalizada. Acho que talvez ele não estivesse preparado para responder a essa pergunta e teve o azar de ter recebido esse questionamento e ter vindo ao Rio Grande do Sul bem nesse dia. Eu só posso atribuir a isso essa declaração. Porque, obviamente, essa pesquisa tem uma amplitude grande.
Na época da divulgação, o próprio ministério anunciou que essa seria uma avaliação de âmbito nacional, enquadrando-a como uma das mais amplas do mundo. Porque essa mudança?
Talvez a resposta esteja na sua própria pergunta. A quantidade de informações, a transparência dos dados EpiCovid sobre a situação do país inteiro, a velocidade com que a doença estava se espalhando pelo país… talvez essas informações o Ministério não tenha recebido de forma tão satisfeita. Talvez aí seja o centro do problema. Na verdade, eu diria que podem ser duas coisas. A primeira é essa: que o Ministério não quisesse ter tantos dados sobre covid nesse momento. A segunda explicação é que, se tiver os dados e não souber o que fazer com eles, também não adianta. Quando a gente pega, aqui no Rio Grande do Sul, os dados da nossa pesquisa gaúcha foram usados para que o governo fizesse uma proposta de distanciamento controlado. No âmbito nacional, a sensação que dá é que o Ministério da Saúde não sabe bem o que fazer com os dados. Talvez por tantas transições, falta de um ministro efetivo no momento tão importante. Mas a resposta a essa não sou eu que tenho que dar, é o próprio Ministério. Por que não querem seguir com a pesquisa?
O Ministério da Saúde chegou a justificar a interrupção?
Fiquei sabendo pela mídia que o ministério não pretendia seguir com a pesquisa. Achei, para te falar bem a verdade, desrespeitoso. Entende? Eu fui até Brasília em duas oportunidades no meio da pandemia, apresentei o resultado na COE (Centro de Operações Especiais contra o coronavírus) duas vezes, para o secretário-executivo, fizemos uma coletiva de imprensa juntos, reuniões, falamos sobre a continuidade da pesquisa. Peraí, até por uma questão de respeito, alguém pega o telefone, liga para o coordenador da pesquisa que sou eu e diz assim: ‘olha, a gente analisou e achou melhor não continuar’. Mas nem isso foi feito. Então Ministério parece estar em um problema de comunicação, de ruído tão grande, que nem sequer eu fui informado pela pasta de que a pesquisa não seguiria.
Essa sua visão em relação ao Ministério da Saúde fica restrita ao âmbito da pesquisa ou o senhor acredita que há um ‘desrespeito’ geral à ciência?
Eu não gosto de generalizar. O Ministério da Saúde como instituição acolhe muito bem os pesquisadores do Brasil e o fato de que, neste momento, nesta gestão do Ministério da Saúde, eles parecem estar muito perdidos sobre o que significa ciência, não vou falar sobre o Ministério da Saúde, mas da atual gestão. Até porque a equipe técnica é muito qualificada, muito receptiva aos dados da pesquisa. Agora, realmente, eu acho que nada pode simbolizar de forma tão “bonita”, a forma como o Brasil trata seus cientistas ao botar uma pesquisa dessas em pause...Os pesquisadores brasileiros estão acostumados a ter dificuldades de financiamento, mas peraí, no meio de uma pandemia, o país parar a maior pesquisa brasileira e, junto com a espanhola, a maior pesquisa do mundo sobre o assunto? Isso mostra, realmente, que ciência não é uma grande prioridade nesse momento.
Há possibilidade de continuar a pesquisa?
Para encerrar com uma boa notícia, a gente não vai deixar o EpiCovid morrer. Desde que começaram a pipocar as matérias hoje, vieram uma série de pessoas nos procurando para tentar garantir a continuação. Tem pessoas ligada a pesquisas, iniciativa privada. Então, assim, eu não acho que o EpiCovid vá acabar. Não temos nada assinado oficialmente, mas existem possibilidades concretas de que o EpiCovid continue mesmo sem a participação do Ministério da Saúde.
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