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O presidente do Hospital Albert Einstein afirma que a maneira mais segura de realizar a recuperação econômica é identificando e isolando os trabalhadores infectados pelo coronavírus

Correio Braziliense
postado em 24/07/2020 04:13
O presidente do Hospital Albert Einstein afirma que a maneira mais segura de realizar a recuperação econômica é identificando e isolando os trabalhadores infectados pelo coronavírus


Testes são cruciais para a retomada
O cirurgião do aparelho digestivo Sidney Klajner preside uma das mais renomadas instituições de saúde brasileiras: o Hospital Albert Einstein, que assumiu papel de protagonismo no enfrentamento à covid-19. A instituição judaica confirmou, em março, o primeiro caso de infecção no país, fez estudos científicos e desenvolveu o primeiro teste genético para detectar a doença.

Em entrevista ao programa CB.Saúde, parceria entre o  Correio e a TV Brasília, o médico explica como o teste funciona, fala de suas vantagens e diz o que falta para que o Brasil o utilize em massa na população. Ele também diz acreditar que uma vacina eficaz pode estar disponível em 2021, comenta o debate sobre a eficácia da cloroquina no combate à covid-19 — "foi provado que não funciona” — e esclarece a polêmica envolvendo a médica oncologista Nise Yamaguchi, defensora do uso da droga e recentemente afastada do hospital.

Por fim, Klajner revela que vê na pandemia a chance de uma transformação da saúde brasileira. "É possível pensar que nascerá um sistema mais focado na atenção primária, na prevenção. E há oportunidades, pelo aumento da interação entre profissional de saúde e população, de termos uma medicina com maior humanismo", avalia.

O Hospital Albert Einstein criou o primeiro teste genético de detecção da covid-19. Como ele funciona?
Há dois tipos de teste: um que detecta a presença do vírus no paciente e outro, o sorológico, que mostra se ele desenvolveu uma resposta por meio de anticorpos. O padrão ouro é o RT-PCR, que é coletado em secreções da nasofaringe e da orofaringe. Uma das nossas empresas, voltada para a genômica e inteligência artificial, criou uma forma de tratar o RNA do vírus de forma semelhante ao que é feito com o DNA, ou seja, de fazer um sequenciamento genético do RNA. Essa solução permite uma escala muito maior, já que cada rodada faz 1.500 testes, e a um custo menor. Também permite detectar com uma especificidade de 100%. Isso quer dizer que, dando positivo, não tem jeito de estar errado.

O que falta para que o teste seja amplamente usado no Brasil?
Restam alguns gargalos. Primeiro, há uma necessidade de transferência tecnológica e de equipamentos de sequenciamento genético, que não são tão disponíveis, principalmente no setor público. Acaba-se esbarrando na logística. Uma das fases é a de coleta com cotonete, um produto hoje disputado no mundo inteiro. Há dificuldade da obtenção desse insumo de forma mais massiva. E, paralelamente a isso, houve iniciativas junto ao Ministério da Saúde, como a que vai colocar centrais de testagem de PCR no Rio de Janeiro e no Ceará, que também vão permitir agregar os exames de forma massiva.


O uso do teste, no entanto, já ocorre, certo?
Sim. Empresas o têm usado em seus programas de retomada das atividades. Essas empresas contratam, com apoio do nosso braço de consultoria, para que esse retorno seja o mais seguro possível. A retomada esportiva da Federação Paulista de Futebol, que voltou a realizar jogos ontem (quarta-feira), e a própria CBF (Confederação Brasileira de Futebol) são parceiros nas retomadas usando esses novos testes.

Estamos errando ao fazer a retomada sem uma testagem mais ampla?
Hoje, sabemos que a forma mais segura de fazer a retomada é identificando, entre aqueles que estão voltando ao trabalho, quem está infectado ou não, incluindo familiares. Nosso grande atraso está na capacidade de testagem, para que você possa isolar quem está doente e as pessoas que tiveram contato. O que estamos vendo em algumas cidades é um novo aumentos de casos, o que muito nos preocupa. Talvez até por uma falsa sensação de liberdade, o que faz as pessoas voltarem com festas, encontros e deixarem de usar máscara.

O senhor lamentou a saída de Nelson Teich do Ministério da Saúde. Que avaliação faz do ministro interino Eduardo Pazzuelo?
Os dois ministros que o antecederam (Luiz Mandetta e Nelson Teich) estavam fazendo um bom trabalho, e meu lamento foi trocarmos as turbinas em pleno voo. Desde então, as ações têm sido feitas com uma liderança mais descentralizada em cada estado, com bons trabalhos, e uma liderança do ministro que não atrapalha, que dá automonia aos estados.

Mais um estudo brasileiro não indica o uso da cloroquina no tratamento de covid-19. Na semana passada, o presidente Bolsonaro admitiu que não há comprovação científica de que o remédio funcione. Porém, emendou que também não foi provado que não funciona. Ele está certo?
Foi provado que não funciona. Hoje, quando comparamos os efeitos dos medicamentos, para saber se são eficazes ou não, existe um rigor científico. Trabalhos com esse rigor (a respeito da cloroquina) existem e vários mostraram a não eficácia no tratamento.

Na semana passada, o Albert Einstein afastou a médica Nise Yamaguchi após ela comparar o medo gerado pela pandemia ao Holocausto. Ela disse que o real motivo foi a defesa que ela faz o uso da cloroquina. O que aconteceu?
A luta da comunidade judaica mundial é contra a banalização do Holocausto, da morte de seis milhões de judeus, para comparações. Entendemos a fala como uma infração à ética de se trabalhar aqui e não da ética médica. Por isso, seguimos com a deliberação de que, enquanto ela não completasse um processo ético-institucional, não permitiríamos a internação de novos casos (sob supervisão dela). Isso está em trâmite no comitê de ética institucional. Uma retratação pessoal, de próprio punho, é o que a gente aguarda.

Quando o senhor acha que teremos uma vacina?
Eu estava pessimista, mas, com as últimas notícias, me tornei mais otimista. Eu acho que a gente chega a uma vacina até o final do ano. Resta saber quando ela estaria disponível para nós, brasileiros, em vista da competição que vai existir. Por outro lado, nós tivemos a felicidade de acordos, como o feito com a empresa que faz a Sinovac e com a Universidade de Oxford, que preveem o direcionamento de algumas amostras para o Brasil. O mais interessante é que estão sendo capitaneados recursos para o desenvolvimento dessas vacinas no território nacional.

E como a pandemia deve alterar o sistema de saúde brasileio?
É possível pensar que nascerá um sistema mais focado na atenção primária, na prevenção, e não no modelo hospitalocêntrico. Notamos que os casos que evoluem para a forma mais grave da doença são de pacientes com doenças crônicas e preveníveis. É preciso foco na promoção da saúde, na prevenção de doenças e no controle de doenças crônicas. Acredito, também, que focaremos na contenção de desperdício e alocação correta dos recursos. Há oportunidades, pelo aumento da interação entre profissional de saúde e população, de termos uma medicina com maior humanismo. Destaco, também, o cuidado e a assistência médica especializada de forma virtual, pela telemedicina, que permite oferecer tratamentos para doenças crônicas, análise especializada de determinados diagnósticos e exames físicos a distância. Por fim, a parceria do setor público com o privado permite atingirmos esse grau de evolução de forma ágil, coordenada e com qualidade.

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