Brasil

País dobra oferta de UTIs, mas futuro de leitos é incerto

Covid-19 provocou a habilitação de mais de 21 mil unidades de terapia intensiva entre fevereiro e junho. CFM estima, no entanto, que 30% das vagas - destinadas exclusivamente ao enfrentamento do vírus - serão fechados após pandemia

Correio Braziliense
postado em 04/08/2020 04:14
Brasil aumentou em 38% estrutura para casos críticos, passando de 34.082 para 46.961 unidades. Mas, ao final da pandemia, pode não se manter

Em meio à pandemia, o número de unidades de terapia intensiva (UTIs) aumentou, de fevereiro a junho, em mais de 21 mil leitos, distribuídos entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada. Com o salto nas habilitações, o Brasil praticamente dobrou a oferta na comparação com os dados de 2011, passando de 34.082 para 66.786 leitos de emergência. Mesmo com o incremento, o país sofre com infraestrutura insuficiente para acolher pacientes com outras doenças. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) indica que 30% das novas unidades são exclusivamente destinadas para enfrentamento à covid-19 e, portanto, podem estar com os dias contados.

Com a explosão de habilitações para tratar pacientes infectados pelo novo coronavírus, atualmente há quase 45% de leitos de UTI a mais do que no início do ano. Ao desconsiderar os leitos exclusivos para a covid-19, entre junho de 2011 e junho 2020, o Brasil aumentou em 38% as estruturas para atender a casos críticos, passando de 34.082 para 46.961. “A gente continua tendo uma população que vai adoecendo, continua tendo necessidade do atendimento crítico e que está com nível inferior à demanda. Temos várias situações de pronto-socorro superlotado com pacientes críticos aguardando leito de terapia intensiva e que, muitas vezes, ficam em locais inadequados, levando as sequelas quando não acabam evoluindo a óbito por falta de uma estrutura”, explica o primeiro-secretário do CFM, Hideraldo Cabeça.

Ao colocar na balança o aumento populacional da última década, somado ao crescimento do percentual de população idosa e maior recorrência de pacientes politraumáticos graves, o número é insuficiente, influenciando diretamente na quantidade de demandas judiciais por leitos. Segundo dados da Justiça Federal, até 2019, mais de 1,5 milhão de processos relacionados à saúde tramitavam no país.

Para Cabeça, os leitos criados nos últimos meses aliviariam essa defasagem, mas, por serem, em sua maioria, temporários, o CFM prevê o fechamento e, consequentemente, a permanência do quadro de desigualdade na distribuição dos leitos de UTIs. “Vem-se tentando buscar, ao longo de anos, uma melhoria [no incremento de UTI] porque é necessário uma correlação entre proporção de leitos ofertados e número de pacientes existentes no Brasil. A gente vê com bons olhos esse aumento, mas mesmo assim não é suficiente. Dos leitos de covid criados, 20% estão em hospital de campanha e não poderão se manter, porque foram colocados em locais improvisados como campo de futebol, ginásios esportivos”, problematiza.

Proporção
A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) preconiza como proporção ideal um índice de um a três leitos de UTI para cada 10 mil habitantes. Se consideradas as redes pública e privada, a quantidade de unidades de emergência representa, em média, no Brasil, atualmente, 2,2 leitos para cada grupo de 10 mil habitantes.

No entanto, há um problema vigente a ser considerado nessa equação: a desigualdade no acesso aos leitos de UTI disponíveis entre o sistema SUS e o não SUS. As ofertas estão divididas meio a meio, mas enquanto quase 80% da população depende, exclusivamente, da rede SUS, apenas 20% têm acesso à rede suplementar. Logo, proporcionalmente, o SUS conta com apenas 1,1 leito de UTI para cada grupo de 10 mil habitantes, enquanto a rede suplementar tem cinco unidades para cada 10 mil beneficiários de planos de saúde.

Em um recorte estadual, mais da metade das unidades da federação não possui leitos de UTI suficientes. Em todos os estados do Norte (exceto Rondônia), além de Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, os índices variam de 0,44 leito por grupo de 10 mil habitantes (caso do Amapá) a 0,96 (Rio Grande do Norte). Ao todo 14 estados apresentam, na rede pública, uma proporção de leitos de UTI não recomendada pelos especialistas em medicina intensiva.

Outras quatro unidades federativas têm indicadores abaixo da média nacional nesse segmento. São elas: Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Sergipe. O estudo do CFM também chama a atenção para a distribuição geográfica dos leitos. Só o Sudeste concentra 24.621 (52%) das unidades de terapia intensiva de todo o país; 46% do total de leitos públicos e 59%, dos privados. Já o Norte tem a menor proporção: apenas 2.489 (5%) de todos os leitos; 6% dos leitos públicos e 4%,dos privados.

“Existe uma desproporção de dados tanto quando a gente avalia leitos SUS para não SUS, assim como quando a gente avalia a distribuição dentro do cenário nacional. Nesse sentido, o CFM vai fazer um alerta. Aproveitemos esse momento para ter esse olhar, verificar que estamos ainda carentes e não tem cabimento termos prontos-socorros e UPAs lotados, havendo necessidade de atendimento para paciente específico crítico e ele não estar no local adequado para esse tratamento”, finaliza Cabeça.




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