Brasil

Morre de covid cacique Aritana Yawalapiti, ativista de direitos indígenas

Para agravar a situação, o vírus tem atingido, principalmente, anciãos e lideranças de diversas etnias, levando embora parte da memória e da identidade de comunidades

Correio Braziliense
postado em 05/08/2020 14:03
Aritana YawalapitiMorreu, na manhã desta quarta-feira (5/8), o cacique Aritana Yawalapiti, 71 anos, liderança indígena do Alto Xingu, vítima de coronavírus. O cacique estava internado em um hospital de Goiânia. O coronavírus têm se mostrado ainda mais letal entre os povos originários, que tem um sistema imunológico diferente e mais frágil para certas doenças. Para agravar a situação, o vírus tem atingido, principalmente, anciãos e lideranças de diversas etnias, levando embora parte da memória e da identidade de comunidades. 

Aritana passou mal após uma pescaria, e estava internado em Goiânia há pouco mais de duas semanas. Ativista dos direitos dos povos indígenas, a liderança pertencia ao grupo Iaualapitis e presidia o Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu (IPEAX). Autoridades, pesquisadores e outras lideranças já vem alertando há meses sobre o risco do coronavírus para os povos originários e a cultura e memória das comunidades no Brasil.

Por meio de nota, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) afirmou que a morte do cacique representa uma perda irreparável para os povos indígenas. “Cacique desde os seus tempos de juventude, Aritana (71 anos) lutou bravamente, desde a década de 1980, pela defesa dos nossos direitos”, afirma o texto.

No texto também consta a declaração da liderança Watatakalu Yawalapiti, coordenadora do Movimento Mulheres do Xingu na Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX) e sobrinha do cacique. “A perda do meu tio Aritana é a perda de 98% da nossa língua. Significa para a gente muitos desmontes. Se a gente não ficar firme, se os jovens que aprenderam o que ele nos ensinou, a perda do meu tio Aritana significa a perda do Xingu inteiro”, lamentou. Segundo ela, o indígena lutou para sobreviver, e tentava, nos últimos tempos, construir um hospital de campanha no Alto Xingu. “Lutou até o último momento contra a religião do homem branco que estava entrando na nossa aldeia. É uma perda irreparável. É um buraco que se abre debaixo dos nossos pés”, completou.

Watatakalu Yawalapiti acrescentou que é preciso seguir em frente. “Espero que nosso povo encontre forças nesse momento, porque não vai ser nada fácil para gente. Meu tio foi muito bom. Muitas pessoas se aproveitaram dele, mas ele nunca virou inimigo de alguém. Tivemos uma grande perda no meu povo, no Xingu, e no Brasil”, disse.

Luta contra o coronavírus


Em 8 de julho, o presidente da república vetou 16 dispositivos da Lei 14.021 de 2020, que cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas. Com isso, negou às comunidades acesso à água potável, folhetos informativos, materiais de higiene, leitos hospitalares e de UTI, e respiradores mecânicos. As aldeias, muitas vezes, ficam a dias de distância dos centros urbanos com infraestrutura para atendimento de pacientes. Ainda não há previsão para os parlamentares votarem pela manutenção ou derrubada da medida presidencial.

Em maio, o fotógrafo Sebastião Salgado e a mulher, Lélia Wanick Salgado, escreveram um manifesto subscrito por artistas e autoridades brasileiras e internacionais. O documento conta com a assinatura de nomes como dos músicos Chico Buarque e Paul MCcartney, de cineastas como o espanhol Pedro Almodóvar e o Mexicano Alejandro González Iñarritu, Príncipe Albert II de Mônaco, do apresentador Luciano Huck, da atriz e apresentadora americana Oprah Winfrey , da atriz francesa Juliette Binoche, dentre outros.

À época, o fotógrafo alertou para o risco de desaparecimento desses povos. “Tentamos chamar a atenção da presidente da República, do Judiciário, Legislativo, para liberar o território indígena dos invasores. Temos um risco real do desaparecimento da comunidade indígena. É do conhecimento do governo o problema. É de conhecimento do governo que desmontou os filtros de penetração nesses territórios que são protegidos pela Constituição Federal. É de conhecimento que o coronavírus pode exterminar grande parcela dessa população. É um genocídio, uma morte anunciada. E se as autoridades não tomarem uma posição, o Brasil passará a ser o responsável pela tragédia”, alertou.

O manifesto


O texto escrito por Sebastião e Lélia alerta para a grave ameaça para a sobrevivência dos indígenas por conta da pandemia, e lembra o passado desses povos. “Há cinco séculos, esses grupos étnicos foram dizimados por doenças trazidas pelos colonizadores europeus. Ao longo do tempo, sucessivas crises epidemiológicas exterminaram a maioria de suas populações. Hoje, com esse novo flagelo se disseminando rapidamente por todo o Brasil, comunidades nativas, algumas vivendo de forma isolada na Bacia Amazônica, poderão ser completamente eliminadas, desprovidas de qualquer defesa contra o coronavírus.”

Saiba Mais

O texto também denuncia o aumento das invasões por garimpeiros, madeireiros e grileiros, principalmente “Essas operações ilícitas se aceleraram nas últimas semanas, porque as autoridades brasileiras responsáveis pelo resguardo dessas áreas foram imobilizadas pela pandemia. Sem nenhuma proteção contra esse vírus altamente contagioso, os índios sofrem um risco real de genocídio, por meio de contaminações provocadas por invasores ilegais em suas terras. Diante da urgência e da seriedade dessa crise, como amigos do Brasil e admiradores de seu espírito, cultura, beleza, democracia e biodiversidade, apelamos ao Presidente da República, Sua Excelência Sr. Jair Bolsonaro, e aos líderes do Congresso e do Judiciário a adotarem medidas imediatas para proteger as populações indígenas do país contra esse vírus devastador”, solicita o manifesto.

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