Canta Brasília

Jacob do Bandolim contribuiu para que o renascimento do choro em Brasília

Embora só tenha morado durante seis meses na cidade, o músico ajudou a trazer o título de "capital do renascimento do choro"

Severino Francisco
postado em 21/04/2013 07:00

Arnoldo Velloso, personagem não identificado, Avena de Castro, Raimundo de Brito, Giovani Pasche e Hamilton, no primeiro núcleo do choro em Brasília, na década de 1960

Certa noite, ao tocar em um sarau no Lago Norte, em determinado momento da madrugada, Jacob do Bandolim chamou o médico e amigo Arnoldo Velloso e disse, aflito, suando frio: ;Precisamos ir embora, pois a dona da casa é casada, mas está com as malas prontas me convidando para fugir com ela. O que eu faço?;. As apresentações do bandolinista despertavam o entusiasmo e, algumas vezes, despedaçavam corações femininos. Quando Jacob morreu, cinco mulheres tiveram que se submeter à sonoterapia, garante Velloso.

Se nos ativermos apenas ao tempo das folhinhas do calendário, a passagem de Jacob por Brasília só mereceria uma menção de relance ou uma nota de pé de página na história da música candanga. No entanto, se levarmos em conta o depoimento dos que tocaram, assistiram e conviveram com Jacob chegaremos à conclusão de que a sua liderança e generosidade foram cruciais na consolidação de Brasília como centro de renascimento do choro no país.

A trajetória de Jacob do Bandolim se entrelaçou com a história da música de Brasília da maneira mais desconcertante. Em 1967, dois amigos brasilienses, o médico Arnoldo Velloso e o advogado Francisco de Assis, apelidado de Six pelo fato de ter seis dedos em cada mão, se dirigiram à casa de Jacob, em Jacarapeguá, no Rio de Janeiro. Eram fãs e esperavam se divertir nas famosas rodas de choro com a participação de uma constelação de nomes da música popular, que ia de Pixinguinha a Clementina de Jesus, de Canhoto a Paulinho da Viola. A informação que receberam da mulher de Jacob não foi das mais alentadoras. Ele estava prostrado em uma cama havia quatro meses, com um sério problema na coluna.

Six era gaiato e se apresentou com as credenciais de ;ginecologista;. Velloso, de fato, era médico, com formação na Alemanha, onde aprendeu a técnica da terapia neural. Com a ajuda de Six, realizou aplicações no paciente. Para surpresa de todos, o tratamento deu certo. Jacob se levantou, no dia seguinte, pegou o bandolim, começou a tocar e tudo fluiu em ritmo de chorinho. Chamou Elizeth Cardoso, o grupo Época de Ouro ; que o acompanhava ; foi convocado e brindaram o restabelecimento do mestre com música da melhor qualidade. Entusiasmado, decidiu continuar o tratamento em Brasília, onde morou durante seis meses, na Chácara Estrela Dalva, de propriedade de Velloso, paraibano de Mamanguape.

Quando Jacob chegou a Brasília, já encontrou um grupo de chorões, que se reunia na casa de Raimundo Brito, sob a liderança de Avena de Castro. Em homenagem aos saraus, Avena compôs o choro Sábado à tarde; e, de sua parte, Jacob lhe dedicou a peça Pra você, com a seguinte dedicatória: ;Para o meu melhor intérprete;. Jacob estimulou todos os amigos a tocar. A sua presença vibrante e exigente foi crucial para impulsionar o primeiro núcleo organizado de choro no Planalto Central.

Nas sessões dos chamados Sábado à tarde, participavam uma série de instrumentistas que eram funcionários públicos cariocas transferidos para Brasília. Além de Avena, compareciam: o anfitrião Raimundo Brito (cavaquinho); Arnoldo Velloso (bandolim); Manuel Vasconcelos (pandeiro); Edgardo de Almeida (violão); Jorge da Fonseca (flauta); e Francisco de Assis, o Six (cavaquinho).

A escritora Ana Miranda e a compositora Marlui Miranda assistiram a muitas reuniões do Sábado à tarde, com os amigos arquitetos Luis Maçal e Cydno da Siliveira: ;Essa história foi fundamental para o choro ter essa força que tem hoje em Brasília;, escreveu Ana Miranda na crônica ;O meu amor chorou II;, publicada no Correio, em 2005: ;Ali, com mais algumas coincidências, houve um renascimento do gênero musical.;

Jacob só morou durante seis meses na cidade, mas, mesmo depois de retornar ao Rio, o contato com a turma de Brasília permaneceu intenso, de 1957 a 1969, até a sua morte. Sempre era visitado no Rio ou voltava à cidade para participar de saraus no apartamento de Raimundo Brito. Jacob compôs várias peças para homenagear os amigos brasilienses.

Marlui Miranda evoca as reuniões do sábado à tarde com a presença de Jacob do Bandolim como encontros com alta espiritualidade, como se os participantes entrassem em uma missa. Se alguém ousasse a heresia de tossir, era expulso sem piedade. Só podia respirar baixinho, pois Jacob virava uma fera. Marlui não tem dúvidas de que esse legado convergiu para o fortalecimento da tradição do choro em Brasília e, mais tarde, para a criação do Clube do Choro. Jacob do Bandolim está no sangue dos chorões brasilienses.

Músicas compostas por Jacob em Brasília

; De coração a coração ; Valsa dedicadas a seu médico cardiologista em Brasília, doutor Luciano Vieira

; Estímulo número 1 ; Estudo composto para o doutor Arnoldo Velloso, seu médico e amigo em Brasília

; La Duchese ; Valsa composta em dezembro de 1967 e dedicada à sogra do doutor Arnoldo Velloso

; No jardim ; Mazurca

; Pra você ; Choro dedicado a Avena de Castro

; Ternura ; Choro composto na casa do doutor Arnoldo Velloso e dedicado a ele e à esposa

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