Não fossem a persistência e a dedicação de Levino de Alcântara, o estudo e a formação musicais na capital do país poderiam ter tomado rumos bem diferentes. Entre o fim dos anos 1960 e o início da década seguinte, o maestro vislumbrou uma área verde vazia no começo da L2 Sul. Considerou o lugar ideal para a construção de um centro de ensino onde instrumentos substituiriam cadernos. Tratou de comprar dezenas de pés de pitanga e, num impulso, plantou as mudas no local para delimitar o terreno. Uma placa improvisada em frente à cerca viva estampava: ;Escola de Música;.
O candango deu aulas debaixo das árvores que povoavam o imóvel público, até então inabitado. ;Invadi o terreno!”, ele admite. ;Não era pra mim, era para o próprio governo;, emenda, em depoimento dado a um vídeo comemorativo produzido pela Secretaria de Educação.
Apropriação consumada, o governo sugeriu a construção de uma sede na Asa Norte. Levino recusou a proposta. Queria que a escola fosse levantada ali mesmo, entre as pitangueiras que plantou, por conta da proximidade com as embaixadas, importantes no intercâmbio de instrumentistas de todo o mundo. Conseguiu. Em 11 de março de 1974, ficou pronta a sede definitiva da Escola de Música de Brasília (EMB), na 602 Sul, integrante da rede pública de ensino da capital.
A luta pela música erudita na nova capital, porém, começou antes mesmo disso. Em 1961, o maestro formou um coral em uma escola pública de Taguatinga. Quase ao mesmo tempo surgia, na Asa Sul, o Centro de Estudos Musicais Villa-Lobos (CEMVL), também com a presença de um coro. O grupo se dissolveu pouco depois e Levino levou alguns dos integrantes que restaram para o Madrigal da Rádio Educadora de Brasília, projeto que, à época, desenvolvia com outros músicos da cidade. A estação pública de rádio acabou extinta, mas o Madrigal continuou. Acabou como aliado na luta pela criação da Escola e existe até hoje.
Levino sempre sonhou com uma Brasília em que a erudição estivesse ao alcance de todo e qualquer ouvido. Nesse mesmo período, um outro projeto encabeçado por ele ganhou destaque que despertou a importância da educação musical. A ideia era colocar um piano e dois professores nos centros de ensino públicos da capital. ;Daqui a pouco, todo colégio tinha seu coral, toda cidade-satélite tinha sua banda de músicos;, orgulha-se o maestro, que hoje mora em Conceição do Araguaia (PA).
Democratização
A gestão de Levino durou até 1985. Desde então, a EMB vem se reinventando. Mais de 2 mil alunos de 8 a 70 anos de idade frequentam os pavilhões do espaço que nasceu da perseverança de um pioneiro e resiste graças ao empenho de 275 professores. Há, segundo os atuais gestores, cursos para aprendizagem de 36 áreas instrumentais. Eles ficam divididos em núcleos afins. Vão da música antiga, com cursos como o de alaúde ou de viola de gamba, ao popular, que engloba guitarra, violão e bateria.
O desafio se traduz na busca incessante pelo aumento de vagas e pela universalização da educação musical. Nessa tentativa, por exemplo, muitos cursos passaram a ter aulas coletivas nos níveis iniciais. Com a mudança e a atualização das grades curriculares, a evasão diminuiu de maneira considerável. ;Estamos ajustando os cursos ao perfil de cada aluno. É preciso democratizar o acesso e isso é favorável para o sucesso metodológico da escola;, avalia o atual diretor da EMB, o violoncelista Ataíde de Mattos.
O legado histórico e a experiência da EMB tendem a se espalhar pelo restante da capital. De acordo com Ataíde, o corpo docente ajudará o projeto de reintrodução da música nos demais colégios da rede pública que oferecem ensino integral. Assim, de pouco em pouco, tudo aquilo que o maestro Levino pregava desde quando a cidade se resumia a poeira passa a se tornar realidade. ;É a demonstração da força sem tamanho de um pioneiro da capital;, resume o atual diretor.