Canta Brasília

Clube do Choro de Brasília nasceu em reunião de ilustres chorões na cidade

Entre os chorões que tomavam parte das rodas, alguns eram servidores públicos transferidos para a capital, como Bide da Flauta, Tio João, Hamilton Costa, Nivaldo da Flauta, Pernambuco do Pandeiro, Lício da Flauta e Miudinho

Irlam Rocha Lima
postado em 21/04/2013 07:00
Odette Ernest Dias, ao ganhar o título de cidadã brasiliense:  espaço para lá de espacial
Quando a flautista francesa Odette Ernest Dias chegou a Brasília, em 1975, contratada pela UnB para ser professora do Departamento de Música, ela havia deixado o Rio de Janeiro, onde integrara o naipe de sopros da Orquestra Sinfônica Brasileira. Havia tocado também em conjuntos regionais, como os de Canhoto e Dante Santoro, nas rádios Nacional, Tupi e Mayrink Veiga; participado de tocatas ao lado de mestres como Heitor Villa-Lobos e Pixinguinha; e acompanhado artistas como Tom Jobim e Elizeth Cardoso em gravações.

Aqui, além de dar aulas de flauta e de introdução à musicologia na universidade, Odette se aproximou de músicos vindos também do Rio ; entre eles Waldir Azevedo ; e de outros que veio a conhecer em rodas de choro no apartamento do jornalista Raimundo de Brito, na 105 Sul. Logo, essas reuniões festivas-culturais passaram a acontecer ; com regularidade ; no apartamento da musicista, na 311 Sul.

Foi na casa de Odette que a história do Clube do Choro na capital começou a ser construída, em 1976. ;As reuniões eram nas tardes de sábado e no início a roda se formava na sala do apartamento, que comportava todos os participantes. A partir da terceira semana, com a propaganda de boca a boca, aumentou o número de participantes;, lembra a anfitriã.

Entre os chorões que tomavam parte das rodas, alguns eram servidores públicos transferidos para a capital, como Bide da Flauta, Tio João, Hamilton Costa, Nivaldo da Flauta, Pernambuco do Pandeiro, Lício da Flauta e Miudinho. A eles, juntaram-se músicos originários de outras regiões, residentes na cidade. Avena de Castro, Edgardo, Cicinato, Eli do Cavaco, Alencar Sete Cordas e Valdeci eram alguns deles.

;Todos encaravam com seriedade a participação nas rodas de choro, organizadas pelo Geraldo Dias, meu marido. Mesmo sem ser músico, era quem recebia o pessoal e providenciava as cervejas, largamente consumidas pela turma. A mim cabia, exclusivamente, a coordenação musical. O Geraldo cuidava de todo o resto;, conta Odette.

Fachada do novo Clube do Choro: patrimônio imaterial com sede e estrutura na capital do país
Teatro Galpão

Como o apartamento de Odette se tornou pequeno para tanto chorão, ela e seus companheiros começaram a buscar outra alternativa para dar continuidade às reuniões. ;Passamos a fazer show, com a cobrança de ingresso, no Teatro Galpão e no Teatro da Escola Parque, que lotavam sempre. Mas eram apresentações esporádicas. Precisávamos de um local fixo para nossas reuniões.;

Por conta disso, ela, Avena de Castro, Bide da Flauta, Lício da Flauta e Pernambuco do Pandeiro foram ao Palácio do Buriti ao encontro do então governador Elmo Serejo Farias. Quem marcou a audiência foi o assessor de gabinete Valci Barbosa, clarinetista nas horas vagas e frequentador das rodas de choro comandadas por Odette. ;Doutor Elmo, que me chamava de embaixador do choro, pediu que eu entrasse em contato com o diretor do Departamento de Turismo (Detur) já com a determinação para ele resolver o problema dos chorões;, conta Valci.

Uma sala desativada ao lado do Centro de Convenções surgiu como o lugar que viria a atender a reivindicação. ;A ocupação, porém, só poderia ser feita com a criação de uma sociedade civil. Diante disso, surgiu a ideia da criação do Clube do Choro;, explica o clarinetista que, hoje, aos 85 anos, continua prestigiando rodas de choro nos bares Tartaruga (715 Norte), Feitiço Mineiro (306 Norte) e Vila Madá (Lago Norte).

Escolhido para ser o primeiro presidente do Clube do Choro, Avena de Castro morreu pouco tempo depois, e Valci o substituiu temporariamente. ;À época, não tinha nada na sala e para ocupá-la tivemos que providenciar mesas, cadeiras, geladeira e outros equipamentos que permitissem o funcionamento minimamente. As rodas de choro passaram a ser realizadas aos sábados. Pernambuco do Pandeiro trazia, prontos de sua casa, feijoada e sarapatel para abastecer a turma.;

Houve um período, porém, que o cavaquinista Francisco de Assis, conhecido por Dr. Six, por ter seis dedos nas mãos e nos pés, assumiu a direção do Clube do Choro informalmente. Advogado renomado e boêmio inveterado, costumava comemorar o aniversário com uma interminável roda de choro, com 24 horas de duração, em sua casa no Lago Sul, com a participação de músicos de várias partes do país.

Essa fase romântica, em que o clube não tinha uma programação regular e ficou fechado por vários anos, chegou ao fim quando, em 1993, Henrique Lima Santos, o Reco do Bandolim, assumiu a direção. Ele criou situação para que a entidade viesse a ter funcionamento regular. Mais que isso: 20 anos depois, ocupando o Espaço Cultural do Choro, em prédio com a assinatura de Oscar Niemeyer, o Clube do Choro, patrimônio imaterial de Brasília, transformou-se em referência nacional e internacional.

Ouvido musical das plantas

E há um detalhe curioso: o da participação das plantas nas rodas de choro do apartamento de Odette. Ela cultiva jiboias e avencas. A audição constante daqueles mestres da música popular fez com que as plantas vicejassem com um esplendor extraordinário. As jiboias subiram até o teto, chegando a atrair um pássaro-preto, que morou no apartamento durante certo tempo. As plantas revelaram um ouvido musical apuradíssimo, pois quando cessaram as rodas de choro, elas feneceram.

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