Canta Brasília

Música À Tentativa mexia com o público brasiliense na décade de 1980

Os "atentados" do grupo brincavam com os sons para explodir com a mesmice que reinava nos tempos de ditadura

postado em 21/04/2013 07:00
Música-À-Tentativa: experimentação com instrumentos artesanais
Psiu! / Psiu! Psiu! /
Ninguém é besta não! /
Tem pão? / Que tem, tem /
Onde é que tem é que tá.


Era com versos de ritmos desconcertantes como esse que o Música-À-Tentativa mexia com os brasilienses na década de 1980. Os ;atentados; do grupo brincavam com os sons para explodir com a mesmice que reinava nos tempos de ditadura. As palavras criavam novos ritmos. Como eram muitas vezes faladas, o estilo lembra um pouco o rap. ;Procurávamos sons em várias tentativas;, afirma Márcio Vieira, fundador da banda. Cada música deixava as pessoas desnorteadas, era uma provocação que tirava o público da rotina. ;É impressionante a força, a violência a inquietação e o desequilíbrio que causávamos;, destaca João Rochael, que juntou-se à Vieira nos seus planos de aterrorizar as artes.

Rochael, que tinha 20 anos quando fundou o grupo, em 1982, enfatiza as dificuldades. ;A nossa geração foi muito massacrada, éramos vistos como meninos rebeldes;. A falta de recursos para ter instrumentos virou mote para a tentativa de criar música a partir do nada. ;Não é por não termos guitarras que não podíamos criar;, diz. Márcio Vieira, criador dos loucos instrumentos conjunto. Misturados aos sons convencionais, como violões, flautas, essas ferramentas feitas de canos de PVC, de metais velhos, latas, enfim, de sucata, davam o tom da experimentação musical.

O grupo teve vida curta, com cinco shows. A primeira apresentação, chamada Algures, Alguém, aconteceu em maio de 1982 no Sesc Garagem. Após o Música-À-Tentativa, Nonato Veras codificou as músicas para o mundo da guitarra, do baixo e bateria e criou com Rochael a Inominável anônimo. Por fim, o grupo João Ninguém, que lançou em CD em 2006.

Liga Tripa

A primeira formação do Música-À-Tentativa contou com Marcelo Vieira, João Rochael, Nonato Veras, Izabela Brochado, José Miguel e Aluísio Batata. Eles também transitavam entre outros dois grupos. Ao mesmo tempo em que criavam uma musicalidade única com o à-tentativa, faziam parte da trupe de trovadores mais conhecida da cidade, o Liga Tripa. Fundado por Ita Catta Preta, Aldo Justo e Lu Blues, a Lucinha Liga Tripa, em 1979, a banda decidiu ensaiar e tocar nas ruas. Muita gente acabou vindo às janelas para ver e ouvir. Chegaram ao Beirute (109 Sul) e, com violões pendurados e a Lu com favos de flamboyant fazendo a percussão, estabeleceram uma nova forma de música na cidade.

O grupo continua na ativa. De longe, ouve-se o grave contrabaixo, marcando o passo dos integrantes que invadem espaços com sua música e deixam a impressão de que Brasília voltou a ser aquela pequena cidade dos anos 1980. ;Brasília é um grande jardim, foi pensada exatamente para que a população usufruísse dos espaços amplos, a cidade convida, está no espírito do projeto, e contribuiu, sim, para o surgimento do Liga;, diz Sérgio Duboc, cantor e violinista da formação atual da banda.

O sucessor dos dois grupos foi a trupe de teatro circense Udigrudi. Os fundadores Marcelo Berá e Luciano Porto participaram da terceira apresentação do Música-À-Tentativa. Em 1982, se juntaram a Márcio Vieira, que trouxe os instrumentos para brincar com os malabares dos outros artistas. Em 2000, ganharam o Herald Angel, no Festival de Fringe de Edimburgo, na Escócia, o mais importante evento de teatro do mundo. O Udigrudi decolou uma carreira internacional, apresentando-se em 15 países. Com O cano, O ovo e Devolução industrial, fechou uma trilogia de teatro experimental.

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