postado em 21/04/2008 15:28
A Brasília de 21 de abril de 1960 era uma cidade com aparência de um grande canteiro de obras. Um cenário formado por vastas áreas de terra batida e estruturas gigantescas em construção. Uma rede razoável de serviços, entretanto, já estava disponível aos moradores, com vários prédios públicos prontos ou em fase de conclusão. A nova capital federal era uma promessa para o futuro. Nesse espaço seriam implantados projetos modernos e arrojados de educação e saúde. O trânsito fluiria livremente graças a um revolucionário sistema de eixos viários. A cidade, além disso, ofereceria empregos e oportunidades. Não é de espantar que tenha se tornado um pólo de atração mesmo antes de ser inaugurada. Era natural que Brasília crescesse, e ela cresceu.
O crescimento, porém, não se deu da forma esperada. Para muitos, esse é considerado o cerne dos problemas enfrentados atualmente por quem vive nas cidades do Distrito Federal. Um desconforto típico de metrópoles, com engarrafamentos, falta de estacionamento, ocupação desordenada do solo, insuficiência de áreas para moradia. No aniversário de 48 anos de Brasília, o correiobraziliense.com.br traz dados sobre o passado e o presente do Distrito Federal, com conselhos de especialistas sobre como cuidar de Brasília para um futuro com qualidade de vida.
Passado e presente
População
Em 1960, 140.164 pessoas viviam em Brasília e nas cidades de Taguatinga, Núcleo Bandeirante (antiga Cidade Livre), Brazlândia, Planaltina, Sobradinho, Gama, Candangolândia e em algumas invasões irregulares que já existiam no Distrito Federal. Atualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que 2.455.903 habitantes residam em Brasília e nas outras 28 Regiões Administrativas (RAs). Na época do concurso para selecionar o melhor projeto para a capital federal, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) avisou aos candidatos que Brasília não teria mais de 500 mil habitantes. De fato, o número de moradores do Plano Piloto está hoje na casa dos 300 mil.
Entretanto, como não houve um planejamento de geração de empregos para as cidades que cercam a capital - além da definição de uma estrutura de educação, lazer, cultura e serviços -, grande parte dessas comunidades passaram a depender da região central de Brasília. Segundo a professora de Estatística Ana Maria Nogales, da Universidade de Brasília (UnB), aproximadamente 80% dos empregos formais do Distrito Federal concentram-se hoje no Plano Piloto.
Comércio
Em 1960 havia 14 lojas e oito módulos duplos de galpões no Plano Piloto, além de dezenas de estabelecimentos comerciais localizados no Núcleo Bandeirante e em comunidades de pessoas que trabalhavam na construção da cidade. Hoje há 18,5 mil estabelecimentos comerciais em todo o Distrito Federal, segundo pesquisa do Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista).
Educação
Nos primeiros anos de Brasília, 4.683 crianças freqüentaram uma rede de 21 escolas públicas e oito particulares. As instituições de ensino se localizavam nos acampamentos e no Plano Piloto - caso do Colégio Dom Bosco e da Escola Parque da 308 Sul, já concluídos em 1960. Após 48 anos, os moradores de Brasília e cidades próximas podem recorrer a 620 escolas públicas e 414 particulares de ensino infantil, fundamental e médio.
A primeira unidade de ensino superior do Distrito Federal foi a Universidade de Brasília (UnB), inaugurada oficialmente em 1962. Além dela, a população agora conta com a Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), também pública e vinculada ao Governo do Distrito Federal, criada em 2003, e com 73 instituições de ensino superior particulares, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Saúde
Durante os primeiros anos de vida da nova capital, dois hospitais faziam o atendimento à população. Um deles era o Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira (HJKO), fundado em 1957, hoje desativado e integrado ao complexo Museu Vivo da Memória Candanga. Durante o período da construção da capital, o prédio recebia toda a demanda por assistência médica existente no Distrito Federal. Em 1960, foi aberto o Hospital Distrital de Brasília, atual Hospital de Base. O prédio não ficou pronto para a inauguração da cidade, em 21 de abril, mas foi entregue ao público alguns meses depois.
O Distrito Federal tem atualmente 16 hospitais públicos distribuídos nas regiões administrativas. Há ainda 44 centros de saúde públicos e mais de 40 hospitais particulares. O plano original era de que o sistema de saúde pública do DF servisse de referência para o país e que o Hospital de Base garantisse atendimento complexo e especializado. Hoje, no entanto, os hospitais públicos regionais apresentam sérias deficiências e o Hospital de Base é sobrecarregado com pacientes de várias regiões administrativas - e até de fora do Distrito Federal.
Transporte
A primeira empresa de transporte coletivo do Distrito Federal começou a funcionar em junho de 1961. Em 1970, a Transporte Coletivo de Brasília (TCB) chegou a ser considerada modelo nacional, mas ficou desativada por um tempo. Hoje, voltou à ativa, mas tem apenas 40 carros e opera só duas linhas. Além da TCB, outras quatro empresas particulares faziam o transporte de passageiros em Brasília na década de 1960. Hoje, são seis: Planeta, Satélite, São José, Riacho Grande, Viplan e o Grupo Amaral. Ao todo, circulam no Distrito Federal 2.318 ônibus convencionais e 55 microônibus (os zebrinhas). São 841 linhas. Há ainda o serviço de metrô, que não cobre todo o Distrito Federal e opera em 16 estações. Até o final deste mês, o governo promete inaugurar mais duas.
As reclamações dos passageiros são constantes. Para os usuários do serviço, o transporte coletivo de Brasília mostra-se precário, com veículos velhos e em quantidade insuficiente. Como conseqüência, o brasiliense dá preferência ao carro: são 60 mil motoristas circulando diariamente nas áreas centrais de Brasília. Eles brigam por 15 mil vagas no Plano Piloto. Até maio de 2008, de acordo com o Departamento de Trânsito do DF (Detran), a frota do Distrito Federal chegará a um milhão de veículos.
Futuro
Um futuro com qualidade de vida para o Distrito Federal depende de planejamento urbano, afirmam especialistas. A professora da Estatística Ana Maria Nogales, da UnB, explica que não foram oferecidas respostas adequadas a problemas que poderiam ter sido previstos desde o início da cidade. "Na época da construção, o Brasil estava com um ritmo de aumento populacional acelerado, com tendência de migração para os grandes centros. Criou-se um novo pólo de atração. Não houve um planejamento para a população excedente que migrou para Brasília. A ocupação desordenada causou problemas", diz.
Para Ana Maria, porém, o Distrito Federal pode aprender com os erros do passado e não agravar a ocupação desordenada. Com isso, reduzirá danos ambientais e problemas sociais. "O DF está dentro de uma tendência nacional de diminuição da taxa de natalidade e dos fluxos migratórios. A população cresce só 2% ao ano, enquanto na década de 1960 crescia 14%. Além disso, o poder público parece se conscientizar da necessidade de planejar e controlar", afirma a professora, que considera a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) um sinal de conscientização da sociedade brasiliense.
O arquiteto e urbanista Antônio Carpintero, também professor da UnB, acredita que, nos próximos anos, serão feitas concessões à ocupação irregular já consolidada. Para ele, no entanto, fatores como o tombamento do conjunto urbanístico do Plano Piloto, o aumento da consciência ambiental da população e a fiscalização mais intensa do uso e ocupação do solo ajudarão na preservação de uma qualidade de vida razoável. Mas Carpintero diz temer uma conservação "meramente estética", apenas da zona central de Brasília. Ele destaca a necessidade de políticas sociais para a população mais carente, especialmente nas cidades do Entorno. "O DF deveria assumir o Entorno como uma área sob sua responsabilidade", defende.
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Alfredo Gastal, não é tão otimista quanto Nogales e Carpintero. "Durante 48 anos, quase todos os governadores do Distrito Federal só se sentiram responsáveis pelo Plano Piloto", critica. Na avaliação de Gastal, sem medidas de descentralização do Plano, Brasília entrará brevemente em um processo de desgaste irreversível. ;Se tudo continuar como está a perspectiva é de que Brasília complete 50 anos com cinco milhões de habitantes, o que trará prejuízo ao tombamento histórico da cidade;, acrescenta.
Trânsito
Os brasilienses enfrentam diariamente problemas com engarrafamentos e falta de estacionamentos no centro da cidade. Para o especialista em trânsito da Universidade de Brasília Paulo César Marques, a gigantesca frota de veículos do DF - que em maio deste ano chegará a um milhão de automóveis - não é o vilão da história. "A cidade de referência para transporte público é Curitiba, e ela tem mais automóveis por habitante do que Brasília", afirma. Segundo Marques, a diferença é que em Curitiba a população usa os carros particulares apenas para sair à noite ou viajar. "Para ir de casa ao trabalho, o transporte público é o principal meio utilizado pelos moradores. Os motoristas não ocupam espaço público com um automóvel parado o dia todo", diz.
Para Marques, o problema de Brasília está na ineficiência do transporte público local, que causa a dependência do automóvel. Na visão dele, uma esperança para o DF é o projeto Brasília Integrada, do governo local. O programa prevê a integração entre ônibus, microônibus e metrô. "Se não for sacrifício para ninguém deixar o carro em casa, acredito que essa poderá ser uma boa solução. Mas, para isso, o projeto deverá cobrir as áreas mais carentes", defende.