postado em 29/04/2008 08:17
É madrugada. A blitz do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran) está montada na Asa Sul. O agente sinaliza e o motorista pára. Sai cambaleando do carro. Mal pode conversar. É convidado a fazer o teste de bafômetro. Ao olhar para o aparelho, ele inclina a cabeça para trás, enche o peito de ar, abre bem a boca e, finalmente, tenta assoprar no canudinho do equipamento. Mas não consegue de tão embriagado. A cena foi gravada por agentes do Detran durante uma operação para retirar das ruas os motoristas flagrados bêbados ao volante. Como essa, existem dezenas de outras imagens. São homens e mulheres de todas as idades e diferentes classes sociais. A fiscalização, no entanto, não inibe os infratores. De 1; de janeiro a 18 de abril deste ano, o Detran flagrou por dia quatro motoristas dirigindo sob a influência de álcool. O total de casos chega a 463, quase metade dos registros de 2007, quando ocorreram 1.008 autuações pelo mesmo motivo.
O recém-empossado presidente do Tribunal de Justiça do DF, desembargador Nívio Gonçalves, defende o endurecimento do Judiciário nos julgamentos referentes a acidentes de trânsito. Professor de direito penal por 12 anos e ex-titular de uma Vara Criminal, Gonçalves disse ao Correio que é preciso cobrar dos motoristas cada vez mais responsabilidade. ;Acho realmente que deve se exigir muito do motorista, aquele que dirigir embriagado, em alta velocidade, deve responder pelo crime doloso, não culposo, ou seja, com intenção (de matar). A pena nesse caso é bem maior e vai inclusive para o Tribunal do Júri;, destaca o desembargador. Em Brasília desde 1979, ele aponta o trânsito como sua preocupação. ;Eu adoro Brasília, é uma capital boa para criar os filhos, o que eu acho ruim ultimamente é o trânsito, ficou mais complicado.;
Quando não são pegos pela fiscalização, muitos dos motoristas que dirigem alcoolizados provocam tragédias. A última delas ocorreu no domingo. Dois carros bateram de frente na DF-001, entre Taguatinga e Brazlândia. Quatro pessoas morreram e outras quatro ficaram feridas. Um exemplo que não é exceção. No fim do ano passado, a Secretaria Nacional Antidrogas divulgou o 1; Levantamento Nacional Sobre os Padrões de Consumo de Álcool entre a População Brasileira. Na pesquisa, a maioria dos entrevistados admitiu ter bebido mais do que o limite legal e assumido o volante em seguida. Foram ouvidas 184 pessoas, sendo que 122 disseram ter dirigido após beber três doses ou mais. O levantamento foi feito entre novembro de 2005 e abril de 2006, em 143 cidades, entre elas, Brasília.
Péssimo hábito
João (nome fictício), 33 anos, vendedor e morador do Gama, não participou da pesquisa, mas faz parte do universo de motoristas brasileiros que dirigem sob o efeito do álcool. Ele ignora os apelos da avó, com quem mora, para evitar a perigosa combinação. Mas conhece bem os riscos. ;A gente perde um pouco o controle da direção. Fica menos atento;, admite. João conta que chega a beber entre oito e 10 garrafas de cerveja por noite e já se envolveu em acidentes. ;Mas eu não bebo muito não. Isso acontece poucas vezes. Não tem problema. Eu sou piloto;, conclui.
Este ano, o Detran recolheu 78 carros cujos motoristas estavam embriagados. A média é de 19 veículos apreendidos por mês. Ano passado, esse número não chegava a 12. O gerente de Fiscalização de Trânsito do Detran, Silvaim Fonseca, atribui o aumento de casos a dois fatores: mais operações e uma modificação na legislação, ocorrida em 2006, que passou a permitir ao agente de trânsito lavrar o auto de infração ainda que o condutor se negue a fazer o teste do bafômetro. ;Antes, quando a pessoa se negava, a gente tinha de levá-la à delegacia para fazer o flagrante, mandar para o IML (Instituto de Medicina Legal) e, só depois, fazer o auto;, explica.
Na avaliação do especialista Joaquim Aragão, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), o motorista só deixará de dirigir embriagado quando tiver a certeza da punição severa. ;É preciso criar a sensação quase de terrorismo para evitar essas infrações. E campanhas do tipo ;se beber não dirija;, não surtem efeito. É preciso torná-las mais eficientes;, sugere.
O que diz a lei
O Código de Trânsito Brasileiro classifica como infração gravíssima dirigir sob o efeito de álcool. Na esfera administrativa, as penas são a apreensão do veículo, a punição com sete pontos na carteira, o recolhimento da habilitação e multa. Criminalmente, o réu pode ser condenado de seis meses a três anos de prisão. A pena se agravará se houver lesão corporal ou homicídio culposo ; sem intenção de matar. O réu fica sujeito à ação civil, com o pagamento dos danos materiais.