Cidades

Lan Houses descumprem proibição de venda de jogos eletrônicos violentos

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postado em 05/06/2008 08:13
Em 30 minutos, Carioca matou 82 pessoas e morreu 42 vezes. Era o melhor desempenho entre os nove meninos que jogavam Counter Strike em uma lan house da Asa Norte na manhã da última terça-feira. ;Vou virar um serial killer!”, avisava o garoto de 14 anos, vestido com o uniforme da escola. Todos ali estavam concentrados. Pernas agitadas, dedos velozes nos teclados e mouses. ;Se entrar no meio, eu mato;, ameaçou um deles em voz alta. ;Eu avisei;, disse pouco depois, ao acertar um tiro na cabeça do adversário. Carioca tem o jogo de estratégia no computador de casa. Mas toda semana está naquele subsolo com os amigos. Algumas vezes eles chegam a apostar. Cada um dá R$ 5. Quem mata mais e morre menos ao final de uma hora leva o dinheiro. ;Ele é viciado nisso aí;, afirmou um dos que perdiam. Com os olhos fixos na tela, Carioca dizia ter a ;cabeça no lugar; para entender que a matança não passa de brincadeira. ;Claro que não vou fazer isso na vida real;, quis deixar claro o garoto. Os violentos jogos virtuais Counter Strike e Everquest estão proibidos em todo o território nacional desde junho do ano passado. Eles não podem ser vendidos nem jogados em lan houses. Os desobedientes estão sujeito a uma multa diária de R$ 5 mil. Mas, depois de quase um ano da decisão judicial, não há quem fiscalize o cumprimento da sentença do juiz da 17ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais, Carlos Alberto Simões de Tomaz. No Distrito Federal, o Procon fez uma única operação em 21 de janeiro deste ano. Visitou apenas seis estabelecimentos no Plano Piloto, apreendeu alguns exemplares dos jogos e pronto: nunca mais voltou às ruas. Os donos de lan houses sabem disso. E não se preocupam ao instalarem os jogos nos computadores das lojas, que continuam atraindo crianças e adolescentes. ;A operação de janeiro não teve desencadeamento. Surgiram outras demandas e, de lá para cá, não temos mais focado nessa questão;, justificou o diretor de fiscalização do Procon-DF, Jarcy Budal. A assessoria jurídica informou que o Procon parou de fiscalizar porque não recebeu mais denúncias. E porque, nos estabelecimentos visitados em janeiro, os donos já sabiam da proibição. No entanto, basta circular por lan houses no DF para constatar o desrespeito à lei. A Delegacia do Consumidor também poderia ajudar na fiscalização. Não o faz porque, segundo o delegado titular Ailton Carlos da Silva, não há orientação nesse sentido. ;Estamos à disposição para trabalhar em parceria com o Procon;, disse. Sangue e morte Os jogos banidos pela Justiça Federal são bem violentos. No Counter Strike, velho conhecido dos praticantes de games eletrônicos, a guerra é entre terroristas e antiterroristas. Um grupo precisa eliminar o outro à bala. Na tela do computador, muito sangue e morte. ;A dinâmica desses jogos gira em torno da morte. O jogador se coloca no lugar do personagem com o objetivo de matar;, ressaltou o procurador da República em Minas Gerais, Fernando de Almeida Martins, autor da ação civil pública que resultou na proibição dos jogos em todo o Brasil. O Ministério Público Federal em Minas Gerais entrou com a ação em 2002. Com o caso julgado, em junho de 2007, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, ainda demorou seis meses para orientar os Procons regionais a fazer valer a decisão judicial. Só em dezembro daquele ano, encaminhou cópia da sentença do juiz às diretorias. ;Na época, tivemos um bom retorno, houve várias operações. Mas essa foi a última atitude que tomamos;, disse a coordenadora de assuntos jurídicos do DPDC , Maria Beatriz Corrêa Sales. Fora das lojas A empresa distribuidora do Counter Strike no Brasil, Eletronics Arts, tenta derrubar a decisão que acarretou a ela prejuízo ainda incalculável. O recurso não foi analisado pela Justiça. Nas lojas de informática em Brasília, não há mais Counter Strike e Everquest à venda. ;Está proibido. Não se acha mais a versão original;, é o que dizem os vendedores da Rua da Informática, na 208/209 Norte, e de outras grandes lojas especializadas. Os jogos instalados nas lan houses são piratas ; comprados sem esforço a R$ 10 na Feira dos Importados ; ou baixados de graça pela internet. O procurador Fernando Almeida disse ao Correio que cobrará do DPDC, por meio de ofício, mais eficácia na fiscalização dos jogos em lan houses. Ele quer saber a razão pela qual a decisão judicial que proibiu o comércio e a distribuição do Counter Strike e do Everquest não é tratada, na avaliação dele, como prioridade pelo Ministério da Justiça. ;A ação não pode ficar no vazio e cair no esquecimento;, comentou. De acordo com especialistas, o fato de jogar esses games não implica que crianças e adolescentes vão sair matando na vida real. No entanto, afirmam que as cenas violentas influenciam, sim, o comportamento de quem joga. ;O ser humano é resultado do contexto em que vive. Uma criança sujeita a uma realidade violenta, ainda que virtual, assimila aquela informação;, explicou o psicólogo clínico Alex Moreira. ;O jogo sozinho não pode ser responsabilizado pela agressividade de uma criança, mas ele instiga a motivação dela à agressividade;, completou o professor da Universidade de Brasília (UnB) Áderson Costa. Responda a enquete: Você acha que jogos violentos de computador contribuem para aumentar a agressividade entre jovens e adolescentes? O que diz a lei Para ingressar com a ação civil pública que pediu a proibição dos jogos Counter Strike e Everquest no Brasil, o Ministério Público Federal em Minas Gerais se baseou no Código de Defesa do Consumidor (CDC). No artigo 6º, o código define como direito básico do consumidor ;a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;. O artigo 8º garante que ;os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores;. O procurador Fernando de Almeida cita na ação o artigo 10º do CDC, que diz o seguinte: ;O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber que apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou à segurança;.

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