Cidades

Dez anos da morte de Lúcio Costa, arquiteto e urbanista de Brasília

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postado em 13/06/2008 08:30
;Desejo inicialmente desculpar-me perante a Direção da Companhia Urbanizadora e a Comissão Julgadora do Concurso pela apresentação sumária do partido aqui sugerido para a nova Capital e também justificar-me. Não pretendia competir e, na verdade, não concorro; apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada, mas surgiu, por assim dizer, já pronta.; O trecho reproduzido acima foi retirado do memorial descritivo do projeto de número 22, que acabou eleito vencedor pela comissão de jurados do concurso que escolheu o projeto da nova capital do país em 1957. As palavras foram ditas por Lucio Costa, que projetou uma cidade inteira a partir do simples desenho de duas linhas retas que se cruzavam em forma de uma cruz. Nesta sexta-feira (13/06), completam-se dez anos da morte do homem que inventou Brasília. Às 9h de 13 de junho de 1998, o urbanista morreu aos 96 anos, em sua cobertura no Leblon, no Rio de Janeiro. E deixou um legado muito maior do que o conhecido pelos brasileiros e pelos próprios brasilienses. Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa nasceu em Toulon, na França, mas veio para o Brasil aos 14 anos. Assim que pisou em terras brasileiras, foi matriculado na Escola de Belas Artes. Estudou arquitetura por influência do pai que queria ter um filho artista. Transformou-se em um gênio da arquitetura brasileira, quebrou paradigmas, mas nunca fez questão de exibicionismo. ;Se tive alguma evidência, é apesar de mim e não por minha culpa;, disse certa vez. Ao vencer o concurso para o pavilhão brasileiro da Feira Internacional de Nova Iorque, por exemplo, chamou o segundo colocado para desenvolver com ele o projeto, pois reconheceu que o trabalho não era inferior ao dele. Tratava-se do arquiteto Oscar Niemeyer, que mais tarde desenhou os edifícios da capital federal. A parceria com Niemeyer se repetiu na projeção da sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro. O edifício chamou a atenção do mundo com seus pilotis, reproduzidos mais tarde em Brasília. Pilotis que deveriam permanecer livres para que as pessoas pudessem circular à vontade entre os prédios. Lucio Costa revolucionou a maneira de desenhar edifícios no Brasil. Foi o primeiro a associar arquitetura com ciências como Política, Filosofia, Sociologia e Psicologia. Criou, assim, o que os profissionais do ramo chamam de arquitetura humanista. O que, na prática, significa a ligação entre a beleza do prédio e a funcionalidade exigida pela comunidade que nele vive. ;Até hoje, o modelo humanista de Lucio Costa é mal compreendido. Hoje copiamos modelos estrangeiros, damos mais valor a técnicas do que ao conteúdo humano;, afirma o professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo. Sem arrogância Em 1957, o reencontro de Lucio e Niemeyer resultou na concretização da nova capital. Os prédios projetados por Niemeyer, que veio a Brasília a convite de Lucio, acabaram tornando-se mais populares que o desenho urbano da cidade. Mas o urbanista nunca se importou de o nome do arquiteto estar mais associado a Brasília que o dele próprio. ;Ele não era arrogante como muitos dos arquitetos contemporâneos;, conta Flósculo. Em Brasília, Lucio Costa colocou em prática todos os seus ideais humanistas, libertários e de valorização da cultura brasileira. Fez uma cidade-parque ao emoldurar os prédios com uma faixa verde pensando em dar qualidade de vida à população. Inaugurou uma nova maneira de viver com superquadras, onde os moradores poderiam encontrar todos os serviços que precisavam a poucos metros de casa: padaria, barbearia, verdurão, mercado, salão de beleza, tudo deveria estar em uma das lojas do comércio local. Lazer e diversão também deveriam ficar perto das pessoas, mas separados do poder da Esplanada dos Ministérios ou do vai-e-vem da área central, voltada para o trabalho. Apesar do esplendor da cidade que inventou, não assistiu à cerimônia de inauguração de Brasília, pois ainda estava abatido com a morte da esposa, Juliete Modesto Guimarães, a Leleta, que morrera num acidente de carro, que ele dirigia. ;Há quem diga que os cuidados dele com o plano de Brasília, sem cruzamentos, têm relação direta com esse episódio;, diz o professor de Teoria e História da Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB) José Carlos Coutinho. Preservar o legado que Lucio Costa deixou é um grande desafio. A cidade que nasceu livre de cruzamentos e semáforos está engarrafada. Os espaços deixados vazios e verdes propositalmente são ocupados. O comércio local transformou-se em regional e as lojas invadiram áreas públicas. ;A Brasília atual se tornou algo bem diverso do imaginado;, ressalta o geógrafo Aldo Paviani. ;Brasília, hoje, é cinco vezes maior do que foi pensada. A Brasília de hoje é uma totalidade de, ao menos, 30 outros núcleos;, explica. Para Flósculo, a falha foi do urbanista. ;Ele foi muito mais projetista do que planejador. O maior erro de Brasília foi o projeto não ter colocado o modo que a cidade se desenvolveria, o que causou um crescimento cheio de aberrações;, afirma. Para o superintendente regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, o problema se deve à incompetência dos governos do DF. ;Eles não foram capazes de perceber que a cidade tinha que crescer para fora e não concentrada no Plano Piloto. A cidade foi construída para ser capital do país e não de um estado;, defende.

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