O anúncio do começo das obras nas expansões do Riacho Fundo II e de Samambaia atiçou as lideranças das cooperativas habitacionais. Serão construídos 6 mil imóveis em áreas pertencentes à União e ao governo local. Mas ainda não se sabe o nome de todos os beneficiados. É preciso cumprir uma série de exigências. Não basta integrar uma associação, pagar taxas e mensalidades. Das quase mil entidades do setor, apenas 207 se ajustam às regras (ver quadro). Muitas são investigadas por fraudes e golpes contra cooperados.
O Correio identificou diversas ocorrências do tipo, registradas em 2007 e 2008 nas delegacias do Distrito Federal. Somente nas de Riacho Fundo (29; DP) e Gama (14; DP), são 15. As cidades têm áreas públicas cobiçadas pelas cooperativas. As investigações foram abertas com base em denúncias de cooperados. A queixa é a mesma: eles pagavam mensalidades com a promessa de construir a casa própria em lotes doados a cooperativas. Até descobrirem que tais convênios não existiam, alguns desembolsaram R$ 15 mil.
Parte das ocorrências foi registrada por grupos de até 20 pessoas que se dizem vítimas de cooperativas. O caso que mais chama a atenção envolve uma mulher de 62 anos, que é ré em dois dos cinco inquéritos da 29; DP. Em um, instaurado em março de 2007, ela aparece como presidente da Associação Morada Nobre. Dezesseis associados dizem ter pago R$ 2 mil em troca de lotes no Riacho Fundo II. A entidade fechou e a presidente sumiu, segundo os denunciantes.
Um ano depois, outros moradores do DF fizeram a mesma denúncia contra a mulher. Só que a queixa era contra a Cooperativa Prol Moradia do DF, também presidida por ela. Uma das supostas vítimas dessa cooperativa é a desempregada Greice Mara Ribeiro da Silva, 23 anos. Pela casa de 42 metros quadrados no Riacho Fundo II, ela pagaria R$ 21 mil. Do total, repassou R$ 6 mil à Cooperativa Prol Moradia do DF. O contrato, assinado em dezembro, garantia a entrega do imóvel até maio.
Greice Mara não ganhou casa nem lote. ;Me sinto enganada. Tinha R$ 1 mil na poupança e peguei outros R$ 5 mil emprestados na empresa onde trabalhava. Fui demitida e todo o meu acerto e FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) foi para pagar a dívida;, lamenta. Desde então, ela pressiona a presidente da Prol Moradia para ter o dinheiro de volta. ;Ela me deu um cheque de R$ 4 mil. Depositei quinta-feira passada e descobri que está sem fundos;, conta Greice.
Há 12 anos em Brasília morando de aluguel em uma casa de fundo no Guará II, a cabeleireira Nilza Silva de Moraes, 53 anos, também está no prejuízo. Ela entregou as economias de 12 anos de trabalho à Cooperativa Prol Moradia do DF. No início de 2008, descobriu que, apesar de ter entregado toda a documentação exigida pelo governo, os representantes da cooperativa não repassaram a papelada à Codhab. ;Agora vivo atrás deles para ter o dinheiro de volta. Quando encontro a presidente, ela diz que está para morrer, com pressão alta, essas coisas. Mas acho que é tudo mentira;, diz.
Relatório
O delegado Vicente de Oliveira Júnior, chefe da 29; DP, fez um relatório das cinco ocorrências contra cooperativas abertas na delegacia e mandou cópia à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma). ;Queremos saber da secretaria a situação legal de cada entidade dessas. Vamos convocar todos os acusados para depor. Até agora, abrimos inquérito contra duas cooperativas;, disse, sem dar detalhes.
Na 14; DP, há pelo menos 10 ocorrências contra o homem que se apresenta como presidente da Associação Pró-Moradia dos Servidores e Empregados do Executivo, Legislativo, Judiciário e Trabalhadores em Geral do DF (Asprom). O processo está na mesa do delegado-chefe Jurandir Teixeira Pinto, que vai instaurar inquérito esta semana. As vítimas denunciam que a Asprom exige o pagamento antecipado para começar a construir os imóveis. Pelo contrato de adesão, pagam de R$ 800 a R$ 14,7 mil.
A promessa era que as casas seriam erguidas em Valparaíso (GO) e em Santa Maria. No entanto, a prefeitura de Valparaíso informou à polícia candanga que não há projeto habitacional em nome da Asprom. A Administração Regional de Santa Maria esclareceu que o lote prometido pela associação está em nome de outra pessoa. O órgão chegou a emitir licença para que fosse construído no local um prédio onde funcionaria cursos de corte e costura, artesanato e pintura. Mas constatou que houve alteração do projeto institucional para habitacional e suspendeu a autorização.
Caso haja provas, os acusados vão responder por estelionato. Apesar do pagamento de mensalidades por promessas não cumpridas, é impossível indiciá-los também por delitos contra o consumidor. ;A Justiça não reconhece a relação de consumo entre cooperativas e cooperados, associações e associados;, afirma o delegado Ailton Carlos da Silva, chefe da Delegacia do Consumidor (Decon). O Correio foi até o endereço da Asprom, no Setor Leste do Gama, mas não encontrou ninguém. Os telefones em nome do presidente da Asprom e da presidente da Associação Morada Nobre e da Cooperativa Prol Moradia do DF, registrados nas ocorrências, não funcionam.
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