postado em 28/06/2008 09:28
No dia em que completou 19 anos, há duas semanas, Rafael não queria nada de presente. Com os balbuceios compreendidos quase sempre só pela mãe, disse já ter tudo o que precisava. Mesmo assim, a vida quis lhe fazer uma surpresa. Naquele dia, ele recebeu a notícia de que passaria a comer sem o auxílio da sonda uma vez por dia. Pode até parecer algo simples demais, mas representou muito para quem acompanha a recuperação do garoto. A mãe, a artesã Maria Isabel Rodrigues da Silva, 39 anos, chorou abraçada às enfermeiras do Hospital Sarah Kubitschek. Era um sinal claro da melhora do filho, atropelado na manhã de 11 de outubro de 2006.
A história de Rafael da Silva Pilar comoveu Brasília. O drama do garoto descrito nas páginas do Correio pela primeira vez em janeiro do ano passado provocou uma corrente do bem na cidade. A solidariedade veio de todos os lados. ;Foi incrível. Quando eu não sabia o que fazer nem tinha para onde ir, me senti acolhida por aquelas pessoas;, comenta Maria Isabel, ao relembrar com detalhes, entre risos e lágrimas, a luta que já dura quase dois anos. ;Parece que faz muito mais tempo. É preciso ter paciência;, ensina a avó Maria Amélia, 72 anos.
Rafael sofreu uma grave lesão cerebral ao ser atingido por um Chevrollet Safira enquanto atravessava o Eixo Monumental, na altura do Palácio do Buriti. O impacto foi tão forte que o deixou tetraplégico. O garoto, de 17 anos, estava a caminho da parada de ônibus para ir à escola. O carro, segundo a perícia, estava a 85km/h, bem acima da velocidade da via, que é de 60km/h. Na época, não havia vaga na UTI do Hospital de Base de Brasília (HBB). Uma liminar garantiu o atendimento em um hospital particular até a vaga surgir. Depois que recebeu alta do HBB, Rafael foi acolhido como filho no lar de idosos Maria Madalena, no Núcleo Bandeirante, onde era voluntário antes do acidente. Ali permaneceu até conseguir o tratamento no Sarah.
Aos poucos e com muita dificuldade, Rafael recupera o movimento dos braços e das pernas. Em maio deste ano, os médicos o mandaram para casa. Ele volta de três em três meses ao hospital para fazer exames de rotina. Mas é em casa que a recuperação é percebida. Esses dias, o garoto gritou do quarto e assustou a mãe, que correu para ver o que tinha acontecido. Ao ver o que era, riu de felicidade. ;Ele estava caindo da cama. Antes ele nem se mexia e agora já tá caindo;, conta ela, com um sorriso que ainda tenta esconder a dor.
Maria Isabel chora muito. Sente saudade do filho saudável. ;Chore, minha filha. Chorar é bom para aliviar a angústia;, consola Maria Amélia, avó de Rafael. Maria Isabel tenta tocar a vida. Voltou a estudar para não ter tanto tempo de pensar no sofrimento. Já foi classificada no último concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) e conseguiu uma bolsa para cursar direito em uma faculdade particular. ;Vou passar no concurso do Supremo Tribunal Federal. Você vai ver!”, afirma, confiante.
Rafael passa o dia sentado na cadeira de rodas. Assiste televisão e fica muito tempo no quintal da casa alugada por amigos da família, no Núcleo Bandeirante. Com o olhar distante, o garoto já consegue entender o que as outras pessoas falam ; a mãe, principalmente. Ele não sabe que sofreu um acidente. Mas consegue lembrar que foi campeão de xadrez, que quer ser advogado e que adora música. Fã de Renato Russo, ele murmura as músicas da Legião Urbana. A mãe só desafina quando as lágrimas deixam a voz embargada. ;Isso, meu filho! Lindo, lindo!”, repete ela a todo instante. O choro é de alegria. Ela sabe que a cada música cantada, Rafael renasce um pouco mais.