postado em 29/06/2008 09:18
Brasília é um acervo a céu aberto. Seja durante uma caminhada no Parque da Cidade, na ida ao cinema ou no passeio de domingo na feira da Torre de TV, é possível apreciar intervenções artísticas que já fazem parte da cidade. Um dos grandes responsáveis por esse trabalho é o artista carioca Athos Bulcão que, na próxima quarta-feira, 2 de julho, comemora 90 anos de uma vida dedicada à arte.
Há quase 200 trabalhos assinados por Athos Bulcão em toda a cidade ; Teatro Nacional, Itamaraty, escolas e até mesmo em algumas residências. O artista faz parte do cotidiano do brasiliense, que se acostumou a viver em um lugar onde a escultura, o mosaico, a pintura estão sempre ao alcance de todos.
Athos é reconhecido por seus múltiplos talentos ; pinturas, máscaras, gravuras, fotomontagens e integrações arquitetônicas fazem parte de sua rica coleção. Difícil acreditar que, na juventude, estudou medicina por quase três anos, mas não teve jeito, a paixão pela estética da criação falou mais alto e o jovem abandonou o curso para se embrenhar nas veredas da arte.
Em agosto de 1958, Athos Bulcão chegou à cidade para contribuir com a arquitetura do amigo Oscar Niemeyer e com o urbanismo de Lucio Costa na construção daquela que seria a nova capital da República.
Movimento e cor
O carioca se encantou pela amplitude e luminosidade do céu de Brasília. Continuou aqui e adotou a cidade como lar. Em agosto, ele comemora 50 anos da decisão que o ligou definitivamente à cidade. ;Os moradores de Brasília têm o privilégio de conviver com obras dele no cotidiano. Vivemos cercados de cor e movimento. Esse é o legado de Athos;, avalia Valéria Cabral, secretária executiva da Fundação.
Entretanto, nem todos reconhecem o valor do trabalho exposto em escolas, órgãos governamentais, prédios comerciais e outros pontos da cidade. Não é raro encontrar painéis de azulejos sujos ou quebrados pela ação do tempo ou do vandalismo de pessoas que teimam em depredar aquilo que torna Brasília uma cidade diferente das outras: a integração perfeita entre arte e arquitetura.
Um complicador para a conservação do trabalho de Athos é a falta de educação patrimonial e cultural. O menino Cássio da Silva Alves, 11 anos, desconhece o artista que projetou os painéis que compõem a fachada do colégio onde estuda, na 407 Norte. ;Não sei quem é Athos Bulcão, nunca ouvi falar, mas acho que está tudo muito sujo;, relatou ao olhar para os azulejos quebrados e pichados. Preocupada com a situação, a Fundação desenvolve projetos educacionais com a realização de visitas e palestras para criasças e adolescentes de escolas públicas e partculares. ;A cidade não pode ficar desatenta ao que acontece, precisamos cuidar desse patrimônio tão rico;, ressaltou a secretária executiva da Fundação Athos Bulcão.
Inventário
Com o objetivo de obter um panorama completo da situação em que o acervo do artista se encontra, a empresa Tríade Patrimônio, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e apoio da fundação Athos Bulcão, prepara um inventário de todas as obras de Athos espalhadas pela cidade.
;Esse estudo vai possibilitar conhecer a situação. Nosso objetivo é estruturar um plano de ação para a recuperação, manutenção e salvaguardar o bem;, explicou a diretora Lana Guimarães.
O artista
Athos Bulcão nasceu em 2 de julho de 1918, no Rio de Janeiro. Ex-estudante de medicina, abandonou a faculdade em 1939, quando decidiu se dedicar à carreira artística. Foi na casa do paisagista Burle Marx que conheceu o arquiteto Oscar Niemeyer, de quem se tornou amigo e parceiro de muitos trabalhos. Em 1944, realizou uma mostra inaugural de seus desenhos na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), também na capital carioca. No ano seguinte, trabalhou como assistente de Cândido Portinari na execução do painel de azulejos de São Francisco de Assis para a igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Em 1957, recebeu um novo convite de Niemeyer ; colaborar na construção da nova capital da República.
Na primeira vez em que esteve na cidade, em 31 de março de 1958, encantou-se com a paisagem e com o céu de Brasília, mudando-se definitivamente em agosto do mesmo ano. O artista também teve uma forte ligação com a Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou no Instituto Central de Artes, entre 1963 e 1965. Ficou longe apenas durante o período da ditadura militar, entre os anos de 1971 e 1973, quando mudou para Paris e realizou obras na França, Itália e Argélia. Para cuidar do importante acervo do mestre, um grupo de amigos e admiradores de sua obra fundou, em 1993, a Fundação Athos Bulcão, destinada a preservar e divulgar a arte e o nome do carioca que, há meio século, escolhia Brasília como lar e está aqui até hoje.