Barracos feitos de lona, montes de sujeira e pessoas vivendo à margem dos direitos do cidadão já fazem parte da paisagem da obra de Oscar Niemeyer e Lucio Costa que se tornou patrimônio cultural da humanidade. Ao lado de monumentos que enchem de orgulho o brasiliense, como a Praça dos Três Poderes, no meio da cidade com o maior Índice de Desenvolvimento Urbano (IDH) do país, brasileiros dormem sob as estrelas, passando frio e sujeitos a todo tipo de doenças. São entre 100 e 140 pessoas, segundo estimativa do governo. Uma população flutuante, invisível, que só é percebida quando incomoda a sociedade.
É o caso de um acampamento de catadores de papel e alumínio que surgiu há quase um mês no gramado que separa as quadras 309 e 310 Norte. ;Primeiro eram duas pessoas. Agora já são quase 10 quando chega a noite;, informa o funcionário público Jessé Moreira Borges, 58, que mora em um bloco em frente aos barracos. ;Não vou dizer que me agrada vê-los aí, mas para mim não são uma ameaça, são um problema social e temos que abrir os olhos para isso;, complementa. Esse papel, para o comerciante Mário Gilberto Feitosa, 40, cabe ao governo. ;Não compramos um apartamento caríssimo para ter que conviver com esses baderneiros que passam o dia bebendo e aterrorizam os moradores. Como vou deixar meus filhos brincarem embaixo do bloco?;, questiona.
A invasão na quadra residencial é uma da sete que o Correio mapeou em um passeio pelo Plano Piloto. O número, no entanto, muda o tempo todo, pois os moradores de rua buscam novas opções a cada vez que são desalojados pelo poder público. ;Realizamos, em média, 15 operações todo mês só no Plano Piloto;, informa o chefe do Núcleo de Vigilância da subsecretaria de Defesa do Solo e da Água (Sudesa), tenente Nelson Rodrigues Ramos.
Essas operações são motivadas por denúncias de moradores e de órgãos do próprio governo, como a Secretaria de Segurança Pública. ;Além disso, temos equipes que monitoram as invasões em todas as regiões do DF;, conta Ramos. No Plano Piloto, atuam duas equipes, com dois fiscais cada.
Repressão constante
A atuação da Sudesa, segundo o tenente Nelson Rodrigues Ramos, tem conseguido impedir que o problema aumente. ;Comparando com o ano passado, esse número de 100 a 140 moradores de rua é 70% menor;, contabiliza. ;Perto da Colina, na Universidade de Brasília (UnB), chegamos a ter 40 barracos. Hoje dificilmente chegam a 10. Atrás do Palácio do Planalto também era uma população enorme. Hoje há dois barracos improvisados;, completa.
Só nos arredores da UnB são três focos. O maior, que abriga cerca de sete famílias, fica na via L3 Norte, ao lado da Colina ; os blocos funcionais da universidade. Lá vivem casais com filhos em meio a montanhas de lixo que eles mesmo juntam para vender para reciclagem. Além dos barracos, há uma criação de galinhas. Logo abaixo, na L4 Norte, duas famílias transformaram árvores em moradia. No ;quintal; de uma delas foi plantada uma pequena horta de temperos. O terceiro grupo se concentra na pista que dá acesso direto da L2 à L3 e à UnB. Lá, vivem três famílias que usam a água de um cano aparente no canteiro central para lavar roupas, panelas e até tomar banho.
O outro acampamento citado por Ramos fica a menos de 200 metros do gabinete do presidente da República. E existe há pelo menos 20 anos segundo a catadora Francisca Pedro da Silva, 58. ;Cheguei aqui em 1988, com meu marido e nove filhos. O caçula era um bebê e hoje é um homem feito;, conta. A família veio da Paraíba em busca de uma vida melhor, mas as expectativas não se concretizaram. ;Hoje alugo uma casa no Recanto das Emas, mas já tive que morar aqui mesmo;, lembra ela, enquanto prepara o almoço em meio ao lixo.
Esse é o caso da maioria dos moradores de rua do centro da cidade, segundo a Sudesa. ;Eles vêm trabalhar aqui porque o lixo é mais abundante nas áreas ricas. Mas a renda que conseguem é muito baixa e impede que eles possam ir e voltar diariamente;, analisa Marília Peluso, professora de Geografia Urbana da UnB.
Na Asa Sul, o Correio encontrou dois acampamentos. O mais precário fica na 908/909 Sul, entre a paróquia São Judas Tadeu e o Caseb. Na semana passada só havia duas famílias no local. Mas os restos de lona e lixo mostram que mais gente usa o gramado como lar. Perto dali, na 913/914 Sul, entre o cemitério Campo da Esperança e o Parque da Cidade, está uma das invasões mais antigas da capital. Os catadores abriram até uma pequena estrada de chão, que leva a um terreno escondido totalmente transformado por eles. Não há vegetação, os montes de entulho estão dispostos de forma organizada e os barracos têm melhor acabamento. Há um carro estacionado e até uma casinha de cachorro.
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