;Passei várias madrugadas na rua, debaixo de chuva, com frio, procurando meu filho nas bocas-de fumo. Nessa busca, já levei tapa na cara de polÃcia porque me confundiram com traficante. Mas eu não vou desistir. O beijo de um filho, mesmo quando ele está completamente drogado, é a melhor coisa do mundo. Eu coloquei na cabeça que ele vai ser um homem de bem. E ele será.; O desabafo é de Ana*, 38 anos. Uma mãe que há três anos luta para resgatar o filho Pedro* das drogas. O menino está com 14 anos e fumou o primeiro cigarro de maconha aos sete, dentro do banheiro de uma escola pública de Samambaia. Não parou mais. Depois veio a cocaÃna e, agora, um forte sedativo que tem como princÃpio ativo o flunitrazepam. Trata-se de um remédio de tarja preta e, portanto, de uso restrito, que deveria ser vendido somente com receita médica azul (que fica retida na farmácia). Mas que os jovens conseguem comprar com facilidade nas farmácias e que virou febre em algumas escolas públicas do Distrito Federal. Ouça: mãe de jovem dependente relata dificuldades Não bastasse ingerir um medicamento de uso restrito, crianças e adolescentes misturam bebida alcoólica ou energéticos com altÃssimas doses do remédio. Pedro admitiu para a mãe ter usado 60 comprimidos em uma única madrugada. ;A gente fica no espaço. Viaja;, resumiu. ;O corpo adormece. A gente pode bater, pode apanhar da polÃcia que não sente nada;, completou um amigo dele. A dependência de Pedro não é um caso isolado. O medicamento, conhecido como Rohypnol, passou a fazer parte da conversa de crianças e adolescentes há cerca de um ano. Ultrapassou os muros das escolas e é o combustÃvel para festas que recebem o nome de ;frevo; ou ;bolo doido; ; em que, além do remédio, há bebida, maconha, cocaÃna e sexo em grupo ; denunciadas pelo Correio em 13 de abril deste ano. Diretores de três escolas de Ceilândia confirmaram que os comprimidos invadiram as instituições. Em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e para preservar os responsáveis pelas escolas ; que se sentem ameaçados pelo tráfico ; o nome dos entrevistados e o endereço das escolas serão preservados. ;Nos dois primeiros meses deste ano, não se falava em outra coisa nos corredores. Depois deu uma acalmada;, comentou Mariana*, diretora de uma instituição em Ceilândia Norte. A direção não conseguiu flagrar o consumo do medicamento pelos alunos . No entanto, constatou, mais de uma vez, alunos ;extremamente apáticos; dentro da sala de aula. A estudante Helena*, 12 anos, conta que a qualquer hora do dia e da noite tem gente vendendo ou usando algum tipo de entorpecente perto ou dentro da escola. ;O ;rupinol; (Rohypnol) aparece direto. Os meninos comem que nem balinha. Depois ficam ;viajando;;, contou. Os relatos da Fernanda* sobre o consumo do sedativo pelos colegas assustaram Margarida*. Mas o choque da mãe da adolescente foi ainda maior. ;Minha filha viu um colega cheirar cocaÃna durante a aula. O professor fez que não viu;, impressionou-se. Margarida pensou em denunciar o caso à escola. Mas temeu pela segurança da filha. Procurada pelo Correio, Melissa*, a diretora da escola onde Fernanda estuda, disse não ter sido comunicada sobre o fato. Mas admitiu que a entrada de cocaÃna na escola não é um fato impossÃvel. ;Neste ano, flagramos um dos nossos alunos com uma porção da droga;, reconheceu. Morte O pesquisador da Universidade de BrasÃlia e especialista em psiquiatria Raphael Boechat disse ser grande o risco de morte para quem abusa do remédio (veja arte). Ele explicou que nos tratamentos, a dose máxima chega a duas cápsulas por dia. Mesmo assim, o risco de dependência é alto, tanto que o flunitrazepam tem sido substituÃdo por princÃpios ativos mais modernos. O uso em grandes quantidades e associado ao álcool pode até matar. ;A pessoa pode ter complicações clÃnicas, como parada cardÃaca e morte;, afirmou. A perda total de memória é outra conseqüência das altas doses do medicamento, completou o consultor de saúde do Correio e professor da UnB, Carlos Gropen. ;A pessoa não se lembra de absolutamente nada do que aconteceu;, disse. *nomes fictÃcios Leia mais na edição impressa do Correio Braziliense.