postado em 10/08/2008 08:28
Observar letras combinarem-se em rimas e palavras ganharem sentido no papel é o novo passatempo do estudante Maurício da Silva Carvalho, 15 anos. No início do ano, o garoto conheceu os poemas de Cecília Meireles e não largou mais os livros. Lê um a cada 15 dias e declama os versos preferidos para os colegas da escola. Um passo enorme para quem nunca havia lido um volume do começo ao fim por falta de tempo ; Maurício trabalhava de segunda a segunda na limpeza de um açougue. O estudante começou a trabalhar aos 13 anos e não teve tempo de ser criança. Acordava às 6h30, assistia à aula, almoçava e ficava na loja até as 20h. Aos sábados e domingos, entrava no serviço às 8h. A rotina dele mudou quando o colégio onde estuda expandiu a carga horária. O Centro de Ensino Fundamental Arapoanga, em Planaltina, é uma das 140 escolas do Distrito Federal que adotaram o regime de educação integral este ano.
;Antes meu dia era cansativo, agora tenho tempo de brincar. Na escola eu almoço, brinco, faço aula de teatro e a professora me ajuda no reforço porque tenho dúvidas de português e ciências;, disse Maurício. O adolescente fica na escola de 7h às 16h e recebe três refeições durante o dia. Sonha em ser ator e ganhar aplausos de uma platéia. O CEF Arapoanga adotou o sistema de educação integral no semestre passado e já sente as diferenças: alunos disciplinados, interessados e protetores da escola. ;Eles vivem em uma comunidade de risco, então não cobramos só notas, mas melhorias de vida, de relacionamento, respeito;, explicou o diretor do colégio, Jordenes Ferreira da Silva. Ao meio-dia, após o fim das aulas curriculares, eles almoçam, escovam os dentes e têm intervalo para descanso ; podem assistir à televisão, ler ou conversar no pátio. Das 13h às 16h, revezam-se entre a sala de leitura, oficinas de informática, teatro e literatura, sob a orientação de monitores.
Recuperação
Com a educação em horário integral, as escolas têm melhores condições de reduzir as taxas de repetência e a defasagem entre idade e série, além de manter bons níveis nos exames nacionais de avaliação. Em 2007, a reprovação dos alunos do ensino médio ficou em cerca de 20%. Dos 310 mil estudantes de ensino fundamental matriculados na rede pública do DF, 94 mil estão defasados.
As turmas de aceleração do aprendizado que funcionam nas escolas devem regularizar a situação até o fim de 2010, mas faltava algo que impedisse a volta das repetências em massa. ;Era preciso criar um mecanismo no ensino regular que evitasse isso. Então levamos o aluno para um ambiente escolar com atividades atrativas, em que ele aprende brincando. É um trabalho difícil porque competimos com a televisão e a rua;, observou o secretário de educação do DF, José Luiz Valente.
As escolas que tiverem como abrigar os estudantes no contraturno regular podem se candidatar ao horário integral. Elas propõem à secretaria as atividades que têm condições de desenvolver e pedem monitores. O GDF oferece refeições extras e cozinheiros. ;Muitos alunos recebiam um lanche por dia, que às vezes valia como o almoço. Hoje, eles ganham três refeições nas escolas urbanas e cinco nas rurais;, lembrou o secretário.
Para os alunos da Escola Classe Ipê, do Núcleo Bandeirante, o dia começa cedo. Boa parte deles acorda por volta das 6h e se arruma rapidamente para chegar às 8h ao colégio, que fica na área rural. Antes de entrar na sala de aula, passam na cantina e tomam café-da-manhã reforçado. ;Minha mãe me deixa, eu levo a mochila pra sala e tomo leite com chocolate, biscoito ou pão. Faço uma oração e depois começa a aula;, detalhou a estudante da 1; série Faiele Mitre, 8 anos, moradora do Riacho Fundo 2.
Às segundas, terças e quartas-feiras, ela só volta para casa às 16h. Na parte da tarde, tem aulas de educação física, artes, literatura, ou brinca com os jogos da ludoteca. Entre tantas atividades, Faiele elegeu uma preferida: o almoço com a turminha da sala. Aluna da 3; série, Clara Costa, 9 anos, gosta de estudar e de artes plásticas, mas sabe o que faria se passasse todas as tardes em casa. ;Se não fosse a escola, eu ficaria em casa vendo televisão e comendo doce. Aqui, minha mãe sabe onde estou, o que estou fazendo, e fica mais calma;, afirmou.
Investimentos
Não bastava deixar as crianças e adolescentes na escola por mais tempo, era preciso planejar atividades que tornassem a estadia prazerosa e educativa. A primeira solução foi contratar monitores para supervisionar os meninos. Com o programa Bolsa Universitária, o GDF arca com as mensalidades de estudantes universitários e, em contrapartida, eles promovem oficinas nos colégios. ;Eles complementam as atividades e fazem com que a presença das crianças na escola seja mais alegre, além de terem comprometimento com o ensino;, disse o governador José Roberto Arruda.
As salas de aula de 402 escolas receberam armário com equipamentos necessários para a realização de experimentos científicos, pelo projeto Ciência em Foco. Outra medida do governo foi a revitalização das instalações físicas. Desde o início de 2007, 15 colégios públicos foram inaugurados. O valor aplicado em obras foi de R$ 120 milhões. O investimento total em educação chegou a R$ 3,120 bilhões. ;No próximo semestre, queremos avançar. Voltar ao sonho de Anísio Teixeira, de que o aluno humilde pode ter a mesma qualidade de ensino que a de uma pessoa de classe média ou alta;, concluiu Arruda.