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Onze anos após se conhecer na Papuda, casal oficializa união em casamento coletivo

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postado em 11/08/2008 08:35
Foram 11 anos de espera, angústia e amor. Ela em uma humilde casa de Santa Maria. Ele, em uma cela do Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião. Na tarde de sábado (10/08), em cerimônia coletiva de matrimônio gratuita com 98 casais no Ceilambódromo, na Área Especial de Ceilândia, a esperança falou mais alto. A empregada doméstica Maria Lúcia Santana, 46 anos, aguardava nervosa a chegada do noivo. A mão suava, mas o sorriso não saía do rosto maquiado. Carlos Roberto Rodrigues, 50, havia saído da cadeia quatro dias antes, na terça-feira (05/08). Ele também ansiava pelo encontro que oficializou a paixão à primeira vista. Como diria Jorge Ben, na música Taj Mahal, ;essa é uma linda história de amor que me contaram e agora eu vou contar;. Outubro de 1996, uma tarde de domingo. Lúcia passava pano no chão de casa enquanto ouvia o programa de rádio Cantinho do Coração. Ela, à época com 34 anos, tinha se separado três anos antes. Do antigo relacionamento, levou dois filhos e a solidão. De repente, fixou a atenção na voz do locutor, que lia cartas de pessoas que buscavam relacionamentos. O homem de voz bonita contava a história de um presidiário chamado Roberto. Ele dizia que ;se sentia sozinho e queria conhecer alguém, mesmo sem compromisso;. Ela sentiu algo estranho, se identificou com o depoimento. No dia seguinte, postou uma carta a ele. Contava como era ; mulher humilde, trabalhadora, de negros cabelos cacheados ; e dizia que queria conhecê-lo. No começo, a comunicação era exclusivamente por cartas. Mas a vontade de se conhecer crescia a cada correspondência, dos dois lados, e ignorava a barreira do preconceito. Finalmente, em 14 de dezembro do mesmo ano, o primeiro encontro. Ela acampou em frente à Papuda, pois sabia que a disputa dos visitantes por senhas era alta. Encontraram-se no pátio e, após a troca de olhares, compartilharam um abraço tímido. ;Foi amor à primeira vista, o coração bateu forte;, lembrou Lúcia. Conversaram e voltaram para seus mundos, contando os dias para o próximo domingo. E assim foi durante onze anos e oito meses. ;Na Papuda, era cada um por si e Deus por todos. Senti o amor que há muito tempo não sentia;, revelou Roberto, preso por latrocínio. O casal se via uma vez por semana, das 9h às 16h, no pátio da penitenciária. O tempo para os dois, na intimidade improvisada entre lençóis pendurados, era de apenas meia hora. ;Valeu cada esforço, cada minuto dedicado;, afirmou ela, sem titubear. A melhor lembrança desse período vem do dia em que Maria Lúcia levou os filhos para conhecer o grande amor, que não tinha família. Era uma condição dele, as crianças aceitarem o relacionamento. ;Gosto dele. E quero que minha mãe seja feliz;, disse Ana Paula, hoje com 24, filha mais velha de Lúcia. A festa para celebrar o momento tão comentado nas letras em papel de caderno ocorreu durante o Maior São João do Cerrado, no Ceilambódromo. Ela de vestido branco, ele de terno, assim como os demais 97 casais sorteados na promoção de uma rádio da cidade. Após o coquetel, os pombinhos ganharam a lua-de-mel em dois luxuosos hotéis da cidade. Tudo gratuito. Roberto e Lúcia passaram um noite confortável no San Marco, no Setor Hoteleiro Sul. ;A gente estranhou um pouco a cama grande, macia. Mas foi ótimo;, confessou Lúcia. Ontem, antes de irem para casa, os dois não escondiam a felicidade. ;É como se a gente estivesse começando o namoro;, disse ela. A cerimônia civil, que começou às 18h e seguiu até as 22h, foi conduzida por três juízes. Cada casal tinha direto a levar os filhos, dois padrinhos e três convidados. Era gente que não acabava mais. Mas gente feliz coma fartura de bolo e salgadinhos. ;Foi uma forma de oficializar a união de pessoas que muitas vezes não tem condições financeiras;, disse o secretário de Cultura do DF, Silvestre Gorgulho, responsável pelo Maior São João do Cerrado. Noivos de todos os cantos do DF, de todas as idades brindaram a nova vida sob a tenda armada na terra batida do lugar.;Estamos juntos há oito anos e temos uma filha. Não tínhamos condições de arcar com as despesas. Estou muito feliz;, declarou a auxiliar de administração Gracilene Araújo, 26 anos, recém-casada com o militar Ronaldo Rodrigues, 24. Seu Antônio dos Santos, 62 anos, esbanjava simpatia. ;Comunicativo; como ele mesmo se definiu, estava feliz da vida com o casamento. ;Eu adoro me casar;, contou o motorista, que ficou viúvo duas vezes. Com a atual mulher, Roseli dos Santos, 51 anos, é a segunda vez que se casa. A primeira foi há 12 anos, quando a professora saiu da Bahia para oficializar a relação. ;Fiquei mais nervosa do que da primeira vez;, comentou a professora, emocionada coma cerimônia. Colaborou Flávia Duarte

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