postado em 12/08/2008 08:26
A Universidade de Brasília (UnB) tem aproximadamente 25 mil alunos, divididos em 63 cursos de graduação. Jovens e adultos de diferentes classes sociais, origens e vocações movimentam uma das mais conceituadas instituições de ensino superior do Brasil. Entre a multidão de estudantes, alguns se destacam pelas habilidades intelectuais. Do seleto grupo que transpõe as barreiras teóricas para colocar na prática conhecimentos adquiridos, poucos conseguem espaço e visibilidade. Durante a semana, o Correio conheceu três projetos ; nas áreas tecnológica, química e ambiental ; desenvolvidos por alunos da UnB.
A Fábrica-Escola de Química da Universidade de Brasília (UnB), que fica ao lado do Hospital Veterinário (HVet), na avenida L4 Norte, é um deles. Mesmo comprimidos em 75 metros quadrados cobertos por paredes brancas e detalhes azuis, alunos e professores do Departamento de Química fazem verdadeiros milagres para desenvolver uma série de produtos voltados para a higienização da própria universidade. Os saneantes, além de facilitar a vida dos servidores da limpeza pela alta eficiência, proporcionam uma economia de até R$ 54 mil à instituição.
Ácidos, essências, água e emulsionantes (fazem com que água e óleos permaneçam misturados numa emulsão, como na maionese) estão entre os ingredientes usados pelos sete cientistas brasilienses que trabalham no local: os estudantes Rafael Taveira, 22 anos; Teles Moozer, 26; e Sarah Faria, 18; os químicos Carlos Silvério, 29; e Humberto Brasil, 26; o funcionário Pedro Ferreira, 59; e o professor responsável Floriano Pastore. Lá, a equipe produz 16 itens, entre detergentes, desinfetantes, sabonetes líquidos de diversas fragrâncias, além de xampu para lavar carros. Os produtos são usados nas dependências da Prefeitura do Câmpus, Biblioteca Central e Instituto Central de Ciências. ;Aqui, reunimos os três pilares da UnB: ensino, pesquisa e extensão;, ressaltou Pastore, que recebe 80 alunos da disciplina tecnologia química, por ano, na fábrica.
Demandas
A menina dos olhos da equipe se chama Lavilon e foi desenvolvidaespecialmente para limpar a lona do Centro Comunitário, a tenda da UnB. ;Durante a seca fica encardida de poeira. Fizemos um produto melhor que o sugerido pelo fabricante, que permitiu o uso sem comprometer a garantia da cobertura;, contou Humberto. Atualmente, as atenções da equipe se voltam para um detergente produzido com citronela, tipo de capim com ação repelente. A demanda veio do HVet, que enfrenta problemas com a concentração de moscas no lugar. ;Trabalhamos de acordo com a necessidade do cliente. Fizemos uns testes iniciais no hospital, durante as aulas de biópsia ; coleta de tecido animal para estudo ;, mas precisamos de um lugar com maior concentração de moscas para concluir a fórmula;, explicou Carlos.
A criatividade é outro ingrediente fundamental na ciência da Fábrica-Escola. A escassez de recursos e investimentos faz com que a equipe solte a imaginação para realizar os trabalhos. Da falta de um aparelho para testes de espuma nos detergentes, surgiu uma parceria com alunos da engenharia mecânica. Eles improvisaram um motor de pára-brisa de carros para sacolejar as pipetas. ;Um dos misturadores é uma panela antiga do Restaurante Universitário;, acrescentou Sarah.
Bioconstrução
As paredes são de sacos cheios de terra, recobertas por uma tela de arame e fina camada de uma mistura de cimento, barro e areia. A madeira usada na estrutura do telhado ; eucalipto e tuturubá ;vem de áreas reflorestadas ou de manejo florestal, o que ameniza os impactos ambientais do comércio das toras. A casa sustentável, a apenas 30km do centro de Brasília, é a realização de um projeto do estudante de engenharia florestal da Universidade de Brasília (UnB) Adriano Cáceres, 26 anos. Nas cadeiras da instituição e em cursos fora da UnB, ele adquiriu os conhecimentos necessários para colocar em prática os conceitos da permacultura, ciência que desenvolve modelos sustentáveis de ocupação na busca pela reintegração entre homem e natureza.
A obra começou em março de 2007 e seguiu por oito meses. Mas a afinidade com os métodos de bioconstrução surgiu ainda em 2004, quando Adriano decidiu trocar o concorrido curso de engenharia elétrica pela engenharia florestal. ;Comecei a questionar a atual escassez de recursos naturais e a crescente degradação do meio ambiente. Daí nasceu a consciência de que é preciso agir para mudar esse quadro;, contou. No Instituto de Permacultura: Organização, Ecovilas e Meio Ambiente (Ipoema), o estudante fez a primeira oficina sobre técnicas de bioconstrução. ;Aliado a conceitos vistos em matérias, como estrutura de madeiras e outras da UnB, senti que tinha a base para começar a erguer a casa, com a ajuda dos amigos, que se organizaram em mutirões;, ressaltou Adriano.
O terreno escolhido fica no bairro Tororó, na DF-140, e tem 810 metros quadrados. Apesar do pequeno espaço ; tamanho aproximado de um lote do Lago Norte ; o lugar tem cerca de 20 espécies de árvores nativas do cerrado, como o pequi, jacarandá-do-cerrado e o araticum, todas catalogadas pelo próprio estudante. O local com menos plantas abrigou a fundação da casa, em formato circular para aproveitar melhor a área. O método para erguer as paredes, conhecido com superadobe, garantiu a sustentação do telhado. Água do chuveiro e das pias cai em um sistema chamado círculo de bananeiras, aglomerado de plantas que reaproveita o líquido. Para concluir o projeto da casa alternativa ainda faltam um banheiro, um tanque para captar água da chuva e uma tela para desidratar frutas. ;Aos poucos vamos concluindo, pois, apesar do baixo custo, falta dinheiro;, disse.
Mecatrônica
O jovem José Urbano, 21 anos, ainda lembra das brincadeiras de infância, entre brinquedos eletrônicos e desenhos animados de carros que viravam robôs e vice-versa. Desde aqueles tempos, decidiu que, quando crescesse, levaria para a vida real o imaginário que permeou os tempos de criança. Decidiu e fez. Hoje, Urbano é o presidente do Mecajun, laboratório júnior do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Universidade de Brasília (UnB), fundado em 2002. Na Faculdade de Tecnologia, ele e outros 23 alunos desenvolvem máquinas e robôs para diversas empresas e eventos do país. Entre os destaques estão um robô para desarmamento de bombas encomendado pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar (Bope) e uma máquina seladora de sacos plásticos.
Não há como entrar no mundo eletrônico do Mecajun sem lembrar filmes de ficção que permeiam o imaginário tecnológico, como o clássico Exterminador do futuro e o Transformers. E a fabricação de robôs de guerra é uma das vocações dos jovens inventores da UnB. Uma vez por ano, no Encontro Nacional dos Estudantes de Engenharia de Automação (Eneca), ocorre uma batalha entre robôs fabricados por universidades brasileiras. Ano passado, em Recife (PE), a equipe da UnB conquistou o quinto lugar na competição, com o UnBbot, criador para teste de força.
O xodó da equipe chama-se Seladora, máquina desenvolvida para uma empresa alimentícia da cidade que substitui a vedação manual de sacos e foi muito bem aceita pelo cliente. Outro produto de sucesso foi um sensor colocado nas cadeiras de um salão de beleza da capital. Entidade sem fins lucrativos, a Mecajun sobrevive da parcerias com o Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas e Micro Empresas (Sebrae) e fundações de apoio ligadas à universidade.
A equipe do Mecajun atende de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h, sem limites para a capacidade de criação. Para Urbano, que não pretende deixar as engenhocas tão cedo, o papel dele na mecatrônica ; junção das engenharias elétrica, mecânica e de ciência da computação ; é melhorar a eficiência e as condições de produção humana. ;Mas precisamos de mais investimentos;, concluiu o estudante.