Cidades

Lei Federal altera funcionamento do Tribunal do Júri

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postado em 13/08/2008 07:49
Réu que não aparecer na audiência será julgado à revelia. Se o processo tiver mais de um acusado, nada de desmembramento. E o juiz não precisa mais gastar tanto tempo lendo imensos relatórios: agora, os processos são distribuídos aos jurados com antecedência. As novas regras do Tribunal do Júri, impostas pela Lei Federal nº 11.689/08, começaram a valer nessa terça-feira (13/08) em todo o país e devem tornar o trabalho mais ágil. No Distrito Federal, foram realizados ontem cinco julgamentos com as mudanças. Os réus falaram por último. Antes da nova legislação, teriam sido os primeiros a serem ouvidos. Existem cerca de 250 processos pendentes no Tribunal do Júri de Brasília, um dos 10 do DF. O presidente, João Egmont Leôncio Lopes, gostou tanto das novidades que, ao fim da sessão de ontem, anunciou um mutirão para limpar a pauta de julgamentos. ;Teremos condições de, a partir de outubro, analisar de três a cinco casos por dia. Pretendo fazer isso quinzenalmente, durante as sextas-feiras;, adiantou ao Correio. A maioria dos processos que aguardam apreciação envolve réus foragidos, o que impedia a realização das audiências. ;Agora eles serão julgados. O réu não tem obrigação de falar nada nem mesmo de comparecer. Mas a ausência dele não pode prejudicar em nada o julgamento;, argumentou o juiz. O presidente do Tribunal do Júri de Brasília, João Egmont Leôncio Lopes, comenta as novas regras e anuncia mutirão para limpar pauta de julgamentos: Agilidade Antes das alterações, a sessão presidida ontem pelo juiz João Egmont levaria até nove horas para ser concluída. Mas o trabalho foi encerrado em menos de quatro horas e terminou com a absolvição de um homem acusado de tentar matar o próprio irmão. ;A leitura de peças (partes do processo) era enfadonha. Já fiquei quatro dias apenas lendo, uma coisa terrível;, comentou. O sistema de som instalado no tribunal gravou todas as falas, como manda a lei. Assim, o juiz ficou dispensado de ditar os depoimentos para o escrivão. ;Ouvi o réu e as testemunhas em 45 minutos. No formato antigo, isso duraria duas horas. Temos agora muito mais objetividade;, destacou o magistrado. Os cinco réus julgados ontem compareceram às sessões. Mas já houve casos de cancelamento do júri devido a ausência dos acusados. Um dos exemplos mais conhecidos foi o julgamento de Marcelo Duarte Bauer. Ele é acusado de matar a namorada Thaís Muniz Mendonça, com 19 facadas e um tiro na cabeça, em 1987. Com a fuga do réu para a Europa, o júri foi adiado. Resultado: o crime corre o risco de prescrever (o processo perder o efeito e o acusado não poder mais ser punido) ano que vem sem que Marcelo seja julgado. ;Foi um típico caso em que a ausência impossibilitou a realização do julgamento. Essa sensação de impunidade vai acabar daqui para frente;, analisou João Egmont. Sem adiamentos As novas regras serão capazes de frear manobras usadas pela defesa para adiar julgamentos, o que é conhecido no mundo jurídico como protelação. Os advogados também não podem mais pedir a realização de um novo júri quando o réu for condenado a pena igual ou superior a 20 anos. Foi o que ocorreu no caso da irmã Dorothy Stang, assassinada com sete tiros, no Pará, em 2005. O acusado de matá-la chegou a ser condenado a 30 anos de prisão, mas acabou absolvido em um segundo júri. ;Era uma maneira de adiar o julgamento até ocorrer a prescrição;, lembrou o jurista e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Paulo Castelo Branco. No caso da jovem Maria Cláudia Del;Isola ; morta brutalmente aos 19 anos, em 2004, pelo caseiro e pela empregada da casa onde morava com a família no Lago Sul ;, a tentativa da defesa de adiar o julgamento não deu certo. Os advogados até conseguiram desmembrar o processo uma vez. Mas não tiveram sucesso na segunda tentativa e os dois réus acabaram condenados. As mudanças no tribunal do júri são encaradas por Castelo Branco como um grande avanço. Para o jurista, as novas regras mostram que a Justiça brasileira, diante de tanta cobrança por parte da sociedade, está disposta a acelerar os processos. ;Se não é possível construir novos tribunais, que se dê maior celeridade ao trâmite processual. O que não pode é uma pessoa passar quatro, cinco anos na cadeia aguardando julgamento;, comentou. Menos recursos O vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Cláudio Dell;Orto, disse que agora o esforço da entidade será para estender as mudanças aos demais ritos do Judiciário. As novidades podem, na avaliação dele, encontrar resistência por parte de alguns juízes. No entanto, Dell;Orto espera que a maioria encare bem a nova legislação: ;Com certeza será a primeira de várias mudanças;. Apesar de ser considerada um avanço, a lei não resolverá da noite para o dia o problema da demora no julgamento de processos. Na opinião do advogado Raul Livino, experiente em júris populares, ainda falta atacar o cerne da questão: a excessiva quantidade de recursos aos quais a defesa tem acesso. ;O grande desafio é diminuir a possibilidade de recursos e, ao mesmo tempo, descobrir uma forma de garantir ao máximo a defesa do acusado;, avaliou Livino. O promotor do Tribunal do Júri de Taguatinga Bernardo de Urbano Resende é ainda mais cético. Ele avalia como positiva a legislação em vigor desde ontem, mas não acredita que a sensação de impunidade diminuirá: ;Isso só será alcançado, por exemplo, com mais efetividade na punição. A gente não vê os condenados cumprindo pena;. Em defesa da vida O Tribunal do Júri, no Brasil, aprecia os crimes intencionais contra a vida: homicídio doloso (com intenção de matar), auxílio ou instigação ao suicídio, aborto e infanticídio (quando a mãe mata o bebê logo após o parto). A idéia básica é que o cidadão seja julgado por seus semelhantes. O júri foi instituído em 1822 para apreciar crimes de imprensa. Dois anos depois, na Constituição Imperial, recebeu a atribuição de julgar todas as causas. Mais tarde passou a apreciar apenas casos criminais. Os jurados são escolhidos aleatoriamente a partir da lista de eleitores. Todos os anos, em novembro, os juízes que presidem os tribunais do júri elaboram uma relação com pessoas sem passagem pela polícia e alfabetizadas. Em dezembro, a lista é publicada no Diário da Justiça. O serviço do júri é obrigatório. Maiores de 60 anos são dispensados. Durante o sorteio dos sete jurados, pessoas que tenham parentesco com qualquer uma das partes envolvidas no julgamento são liberadas. No DF, existem 10 tribunais do júri: Brasília, Brazlândia, Ceilândia, Gama, Paranoá, Planaltina, Samambaia, Santa Maria, Sobradinho e Taguatinga. Compõem o julgamento, além do juiz, réu e jurados, as testemunhas de defesa e de acusação, os advogados e o promotor do Ministério Público. As sessões são públicas.

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