postado em 27/08/2008 08:27
Brasília foi idealizada para coincidir com o Plano Piloto e pensada para abrigar 500 mil habitantes. Ao seu redor, nasceriam cidades para receber os demais moradores. Quase 50 anos depois, o mapa da capital federal mudou muito. A última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que em novembro de 2007 o Distrito Federal comportava cerca de 2,5 milhões de habitantes. Com isso, nos últimos 25 anos, o avião desenhado para representar o Plano Piloto foi cercado por um tapete urbano unindo-o às cidades que surgiram e se emendaram umas nas outras. Em artigo exclusivo para o Correio (veja ao lado) o arquiteto Oscar Niemeyer comenta esse processo e as ameaças que ele representa para a capital.
O DF hoje é um largo cinturão de gente vivendo ao redor da capital planejada. Mas, apesar de o projeto original de Brasília não ter previsto a criação de cidades fora do centro do Plano Piloto, o surgimento delas se impôs, naturalmente. Antes mesmo do fim da construção da nova capital, em 1959, o governo criou Taguatinga, a 21km do Plano Piloto. Quatro anos depois, surgiu Ceilândia.
As duas novas cidades cresceram tanto que perderam seus limites geográficos. Mas a aglomeração de cidades seguiu rapidamente do Plano a Ceilândia. Os espaços verdes, que antes existiam entre uma e outra, desapareceram e deram lugar a casas, comércios e condomínios irregulares.
Ao longo dos 11,2km da Estrada Parque Taguatinga (EPTG), por exemplo, formou-se um rastro de construções onde não há mais limites territoriais. Seguindo uma linha contínua, a partir do Plano Piloto, surge o Guará, em seguida Águas Claras, Vicente Pires e Taguatinga. O fenômeno da ocupação desordenada, no entanto, é uma tendência do crescimento das metrópoles brasileiras e não uma característica exclusiva da capital federal.
Fenômeno
O Rio de Janeiro, por exemplo, também está unido à Baixada Fluminense, formada por Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo, entre outras cidades. Na área metropolitana de São Paulo o fenômeno é reconhecido em vários municípios. Santo André, São Bernardo e São Caetano estão interligados física e funcionalmente.
Mas a ocupação desordenada na região da capital do país chegou a tal ponto que até o Entorno do DF tem suas fronteiras mal definidas. Santa Maria e Valparaíso (GO), por exemplo, cresceram e se uniram dificultando a distinção entre o território goiano e o brasiliense.
Esse fenômeno ; da junção entre duas ou mais cidades formando uma região sem fronteiras administrativas ; é conhecido como conurbação. Os principais fatores causadores são o aumento demográfico, as ocupações ilegais e a valorização da terra. E, como conseqüência, surgem problemas para a população e para o meio ambiente. É o que ocorre em alguns pontos do DF: perda de áreas verdes; falta de infra-estrutura e de serviços básicos, como rede hospitalar, transporte público; engarrafamentos; insegurança nas ruas.
E, sem ordenamento, a tendência é que o crescimento da população estenda ainda mais os limites do DF. Um estudo feito em 2006 pela Universidade de Brasília (UnB) apontou à época que nos 24 anos seguintes 50% da população da região metropolitana, estimada em 3,2 milhões de habitantes, estarão concentrados no eixo oeste do DF, que segue uma linha reta do Guará a Águas Lindas, município goiano.
LEIA O ARTIGO DE OSCAR NIEMEYER:
Minha idéia era voltar um pouco ao passado, lamentar que a proposta de uma cidade menor não tivesse sido adotada, e, para ser coerente, reclamar dos que pretendem aumentá-la ainda mais, multiplicando os problemas dessa cidade que, a meu ver, podia ser mais simples e melhor, como uma flor pousada naquela terra agreste e abandonada
Por Oscar Niemeyer
Se a idéia inicial de JK tivesse sido seguida, Brasília seria menor com certeza. Lembro que Brasília surgiu como a nova capital que foi realizada naquele velho cerrado. Para lá seguiriam apenas os órgãos mais ligados à Presidência do país e os ministérios diretamente a ela vinculados. Seus moradores seriam, praticamente, funcionários do governo federal, e a cidade pensada em função deles, naturalmente, muitíssimo menor.
É claro que o número de visitantes continuaria enorme, obrigando a prever os hotéis, os restaurantes indispensáveis. E a nova capital seria, sem dúvida, mais acolhedora, mais humana ; sua arquitetura apresentando a unidade plástica que numa cidade maior é difícil manter.
Se esse tivesse sido o programa confiado a Lucio Costa, Brasília continuaria a apresentar o aspecto monumental que ele tão bem soube conceber.
Mas a cidade está praticamente realizada, sua densidade demográfica superando os 500 mil habitantes previstos no Plano Piloto. Ameaçada por todos os problemas que uma metrópole em expansão tem de enfrentar. Daí eu concordar com o meu amigo Carlos Magalhães, que, interessado, como sempre foi, nos problemas da nova capital, se levanta mais uma vez contra essa idéia absurda de criar novas áreas urbanas.
Não sei se este texto se faz indispensável. Afinal, o governador José Roberto Arruda, competente como é, saberá encontrar uma solução para essa questão, que, acredito, é fundamental para o futuro de Brasília.
Releio este artigo. Minha idéia era voltar um pouco ao passado, lamentar que a proposta de uma cidade menor não tivesse sido adotada, e, para ser coerente, reclamar dos que pretendem aumentá-la ainda mais, multiplicando os problemas dessa cidade que, a meu ver, podia ser mais simples e melhor, como uma flor pousada naquela terra agreste e abandonada.