postado em 29/08/2008 09:11
Ela era jovem quando sentiu a perna e o braço direitos adormecerem. Aos 17 anos, a coordenação de ambos os membros permaneceu fraca por um mês, até que voltou ao normal. A perna ainda ficou com uma seqüela que a fazia mancar. Mas nada que a atrapalhasse. O primeiro médico a atendê-la não soube dizer o que havia ocorrido. Dezoito anos mais tarde, a mulher perdia os sentidos e desmaiava com freqüência. Uma amiga deu a sugestão que a faria entender os sinais estranhos que seu corpo mostrava: ela devia procurar um neurologista. Em pouco tempo, o diagnóstico: esclerose múltipla.
A aposentada Dulce de Souza Nogueira Freitas, hoje com 47 anos, não sabia do que se tratava. Assim como o funcionário público Marco Aurélio Lustosa de Medeiros, 38, diagnosticado há um ano. ;Achei que minha vida tinha acabado. Que era uma doença de velho e que ia me deixar incapacitado;, disse Marco Aurélio.
Em 1995, Dulce descobriu que a esclerose múltipla é uma doença degenerativa do sistema nervoso central que interfere na capacidade de controlar funções como visão, locomoção, equilíbrio. Ouviu do médico que, para o mal que a acometia, não havia cura. Ainda assim, ela persistiu e pesquisou por contra própria tudo sobre a doença.
Entendeu que os sintomas ; problemas visuais, fadiga, alterações sensoriais, de humor, fraqueza ou paralisia de membros, tremor, perda da coordenação, vertigem, alterações na bexiga ou intestinais e mudanças psicológicas ; e a evolução da enfermidade variam de paciente a paciente. Soube que a doença se manifesta mais em mulheres e nos jovens com idade entre 20 e 40 anos. Mais tarde, descobriu que os medicamentos ajudam a controlar e a retardar a degeneração do organismo e que as pesquisas com células-tronco são uma esperança.
Corrente do bem
Dulce casou-se. Teve dois filhos. Teve depressão. Hoje, está em cadeira de rodas. Mas, mesmo com dificuldades físicas para sorrir, demonstra na voz a alegria de viver. ;Um jovem que tem a esclerose um dia me perguntou como eu fazia para viver. Eu disse: ;Eu vivo normal. Eu faço de tudo. Vou ao cinema, a festas, desde que me chamem. O importante é manter a cabeça boa.;. Vamos explicar isso às pessoas hoje;, disse.
É que hoje, durante todo o dia, Dulce, Marco Aurélio e amigos da Sociedade de Esclerose Múltipla de Brasília (Sembra) vão passar a diante o que aprenderam nos livros e na vida. Eles vão se espalhar pelo Conjunto Nacional para responder à pergunta: O que é esclerose múltipla? A ação lembra o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla, que oficialmente é comemorado amanhã.
O grupo vai entregar panfletos explicativos às pessoas que passarem pelo shopping. ;Muitos têm sintomas, mas como desconhecem a doença nunca procuram médicos. E o tratamento faz da vida do portador uma vida melhor;, explicou Marco Aurélio.
Éber Castro Corrêa, neurologista, especialista em esclerose múltipla e orientador médico da Sembra, participa do evento de conscientização. ;Vamos mostrar que é importante descobrir a doença o quanto antes para que a pessoa tenha uma vida normal mesmo convivendo com as limitações;, disse ele.
Segundo Éber, estudos mostram que esse tipo de esclerose é uma doença de países ricos, já que é mais freqüente nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Nas regiões tropicais e subtropicais não é tão detectada. Nos EUA, por exemplo, 400 mil pessoas são portadoras.
No Brasil, existem cerca de 30 mil pacientes. No Distrito Federal são aproximadamente 200. ;Ainda bem que, mesmo com problemas, a farmácia de alto custo fornece os remédios. Por ano, um paciente gastaria cerca de R$ 60 mil;, acrescentou o médico.
Para minimizar os sofrimentos dos portadores do DF, a presidente da Sembra, Elizabeth Tozetti, 45, aconselha que eles se unam aos grupos de ajuda. ;Nos reunimos, trocamos experiência e conhecimento sobre novas pesquisas e medicamentos. É mais um conforto;, disse ela que também é portadora da doença. ;O que não pode acontecer é o paciente se isolar, ficar em casa;, acrescentou Dulce.
Diagnóstico
O neurologista lembrou que a esclerose múltipla não é hereditária. ;A pessoa nasce geneticamente predisposta a tê-la. E não há como prever ou prevenir. Apenas após o primeiro surto (surgimento ou agravamento dos sintomas) pode ser identificada e mesmo assim alguns médicos confundem os sintomas com os de outras doenças; explicou Éber.
A história da busca por um diagnóstico que Dulce viveu se repetiu com Marco Aurélio. Ele teve dois surtos em intervalos de 10 anos. Só no ano passado soube que tinha esclerose. Ambos assumiram suas limitações para seguir em frente.
;Eu aceitei que precisava das pessoas para ir ao lugares, ao banheiro, para tudo. Depois da doença, me aproximei mais das pessoas;, admintiu Dulce que nunca mais teve um surto, mas os sintomas foram piorando com o tempo. ;Minha mão direita passou a não responder mais. Faço cruzadinhas com a esquerda. Precisei me apoiar nas pessoas e nas coisas para andar. Até que parei de trabalhar como secretária. Desde 2000, não consigo dar passos;, descreve Dulce que hoje depende da cadeira de rodas.
Marco, como a maioria dos portadores, precisa descansar, por causa da fadiga, e tem a audição prejudicada. ;Mas eu sempre digo para quem tem a doença: ;Acredite que é possível ser feliz, que a vida vai ser melhor. Porque de fato ela é. Basta viver um dia de cada vez. É preciso alegria para viver;, ensina Marco.