Cidades

Há 40 anos, discurso em defesa da UnB foi pretexto para a decretação do AI-5

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postado em 02/09/2008 08:37
O ano de 1968 foi o da radicalização política. A oposição ao governo de Costa e Silva crescia em todos os lugares. Em Osasco (SP), os operários haviam entrado em greve. No Rio de Janeiro, a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto comovera a cidade, resultando na passeata dos 100 mil. Era natural que a agitação também tomasse conta da capital federal. Em 29 de agosto, como o Correio relatou na semana passada, a Universidade de Brasília (UnB) sofreu a pior invasão pelos militares. Quinhentos alunos passaram o dia sob o cerco da polícia, 50 foram levados à delegacia. Um basta mostrava-se necessário. Exatamente 40 anos atrás, em 2 de setembro de 1968, o deputado federal Márcio Moreira Alves (MDB-GB*) subiu à tribuna para proferir um discurso contra o militarismo. No dia seguinte, fez novo pronunciamento, ainda mais provocador. As palavras ofenderam os militares. São consideradas o pretexto para a decretação do AI-5, o mais radical dos atos institucionais desde o golpe de 1964. No dia em que a UnB foi invadida, conta o jornalista Antônio Pádua Gurgel, ele próprio filho do então deputado capixaba Mário Gurgel, políticos do MDB e da Arena acorreram à universidade. Entre eles, estavam o secretário-geral do MDB, Martins Rodrigues, o líder da oposição na Câmara, Mário Covas, e os arenistas Brito Velho e Feu Rosa. Ao buscar seu filho Marcus, o deputado Santilli Sobrinho (MDB-SP) chegou a levar umas bordoadas dos policiais. O atual governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), foi resgatado pelo pai, o senador Teotônio Vilela, que ainda era da Arena. Num carro do Senado, Vilela socorreu o filho e mais sete colegas do Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem) da UnB. Um deles era o microempresário Humberto Pelizzaro, que ainda mora em Brasília e narra o episódio: ;Um oficial ordenou que o carro parasse num bloqueio. O senador se identificou, mas o militar disse ;aqui você não é ninguém; e jogou a identificação de Vilela no chão. O senador voltou para o carro e ordenou que todos abaixassem a cabeça, pois ele iria passar pelo bloqueio. Conseguiu. O policial não atirou. Nós descemos do carro na W2 e voltamos a pé para casa;. Liquidar os responsáveis Mães de estudantes protestaram. Até a Associação Comercial expressou sua ;repulsa e condenação às autoridades policiais;. Num arroubo, o deputado gaúcho Brito Velho (Arena) incitou os parentes dos estudantes feridos a ;liquidar os oficiais responsáveis pela invasão da UnB;. Foi nesse contexto que Márcio Moreira Alves (MDB) subiu à tribuna. Em 2 de setembro, perguntou se as tropas parariam de metralhar o povo na rua. Um dia depois, conclamou as mulheres a se recusarem a dançar e namorar os cadetes. ;Um discurso inútil, poder-se-ia dizer. (...) No entanto, ele continha um elemento de fundamental valia para os que tramavam o golpe: o machismo. Recomendar que as moças não namorassem os tenentes era algo que até o pior aluno da Academia Militar entenderia como uma ameaça;, justificou Moreira Alves em seu livro sobre 1968. Pressionado, o presidente Costa e Silva pediu licença à Câmara para processar o deputado oposicionista. O líder do governo, Ernani Satiro, infartou, Covas convenceu a maioria dos colegas a negar o pedido. Foi o pretexto para os militares fecharem o Congresso e endurecerem o regime. A crise de 1968 Oito episódios marcaram a consolidação do regime militar: 28 de março O estudante Edson Luís é morto no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. 21 de junho Quatro mortos, 58 feridos e mil presos numa manifestação estudantil, no centro do Rio. É a sexta-feira sangrenta. 26 de junho (foto 1) Passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro (RJ). 29 de agosto (foto 2) A polícia invade a Universidade de Brasília (UnB). 2 e 3 de setembro O deputado Márcio Moreira Alves faz dois discursos criticando a invasão da UnB. O governo usaria os pronunciamentos como pretexto para o AI-5. 3 de outubro Um estudante morre no confronto entre a direita do Mackenzie e a esquerda da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na capital paulista. 12 de outubro A polícia desmantela o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP). Charles Chandler, capitão norte-americano acusado de pertencer à CIA, é assassinado numa ação da VPR. 12 de dezembro Por 216 votos contra 141, a Câmara rejeita o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves. 13 de dezembro Editado o Ato Instiucional nº 5 (AI-5), que autoriza o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, a intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão, entre outros pontos. A ditadura militar se consolida. * Antigo estado da Guanabara, atualmente Rio de Janeiro.

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