Jornal Correio Braziliense

Cidades

Erro em cirurgia plástica leva médicos a tribunal

Pela primeira vez no DF, cirurgião e anestesista serão submetidos a júri popular, sob a acusação de provocar a morte de uma paciente

A família de Sônia Isis de Andrade esperou 10 anos por esta notícia. Os médicos responsáveis pela cirurgia que matou a mulher de 47 anos em 1998 vão a Júri Popular, ainda sem data marcada. O anestesista Orlando Gomes de Souza e o cirurgião plástico Valter Simões Deperon são acusados de realizarem o lifting facial ; técnica para rejuvenescimento da pele ; sem as condições adequadas. A sentença, de 6 de agosto, é do juiz substituto da Vara do Tribunal do Júri de Brasília, Fábio Francisco Esteves. Será a primeira vez que médicos de Brasília responderão pela morte de paciente, de acordo com o Conselho Regional de Medicina (CRM). Os dois aguardarão o julgamento em liberdade. A tragédia ocorreu no sábado 3 de janeiro de 1998, no Centro Médico Hospitalar de Brasília (Centromed), uma clínica particular, hoje desativada, no Guará. Sônia havia pago R$ 2 mil pelo serviço. Às 11h30, entrou na sala de cirurgia. Entre 12h e 15h, sofreu uma parada cardiorrespiratória: o anestésico aplicado na veia da paciente não interagiu bem com o medicamento que ela usava para combater a bronquite aguda. A mulher entrou em coma e, dois depois, morreu no Hospital Brasília, no Lago Sul, vítima de hipoxia cerebral (falta de oxigênio no cérebro). De acordo com a denúncia do Ministério Público, aceita pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, os médicos sabiam que Sônia tinha bronquite e fazia uso de xaropes. O promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde Diaulas Costa Ribeiro relata que o Centromed não possuía Unidade de Terapia Intensiva (UTI) nem medicação apropriada para reanimar a paciente. Ainda segundo a denúncia, os eletrodos que poderiam ter identificado mais cedo a parada cardiorrespiratória não estavam ligados a Sônia porque o único monitor existente na clínica não funcionava. Quando uma equipe de UTI chegou ao local, já não havia muito o que fazer. Ouça: Sandra Andrade comenta a decisão da Justiça de mandar para Júri Popular o caso que resultou na morte de sua irmã Sônia Andrade em 1998. Em trecho da denúncia recebida pelo TJ em abril de 1999, o promotor sustenta que a cirurgia foi realizada ;sem que estivessem asseguradas as condições mínimas para tanto;. Na sentença em que acata essa tese, o juiz Fábio Esteves diz que há no processo indícios de crime doloso na modalidade dolo eventual (quando não há intenção de matar, mas se assume o risco de fazê-lo). Em sintonia com o discurso do MP, o magistrado alega que os denunciados usaram a clínica no Guará ;sem as condições adequadas para a realização da cirurgia;. Absolvição O Conselho Regional de Medicina analisou o caso em fevereiro de 2002 e decidiu pela absolvição de Valter Deperon. ;Do ponto de vista ético, não ficou comprovado que ele cometeu infração;, justificou o segundo secretário do CRM, Luiz Fernando Salinas. O anestesista Orlando Souza, que na época da cirurgia era diretor técnico e clínico do Centromed, foi punido com uma suspensão de 30 dias. Não era a primeira vez que Orlando figurava como denunciado no CRM. Em 2001, ele havia tido o registro profissional cassado por comandar uma cirurgia como a de Sônia, também em 1998, em que a paciente saiu gravemente lesionada. A cassação só foi confirmada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2004. De 2001 a 2004, portanto, o médico exerceu a atividade livremente. Orlando não foi localizado ontem pela reportagem. O cirurgião Valter Deperon, que continua a atuar em dois consultórios de Brasília, pediu que o Correio entrasse em contato com o advogado José Gomes, que cuida do caso. Para Gomes, não há no processo elementos que apontem a morte de Sônia como crime doloso. Por isso, ele recorreu da decisão na semana passada. O pedido ainda não foi analisado. ;O juiz não leu o processo. Existe uma grande confusão entre as funções do médico anestesista e as do cirurgião plástico;, comentou o advogado. Levantamento do CRM mostra que o número de sindicâncias instauradas envolvendo cirurgias plásticas tem aumentado nos últimos anos. Em 2004, foram 11. No ano passado, o número pulou para 19. A maioria dos pacientes procura o conselho para reclamar do resultado das intervenções. Dos 25 médicos envolvidos nas denúncias de 2007, 14 não eram especialistas. O problema não se restringe ao DF. Entre 2005 e 2007, o Conselho Federal de Medicina apreciou 24 casos de erros médicos em cirurgias plásticas. ;As pessoas têm procurado as clínicas pelo preço e não vêem nem se o local é apropriado. O perigo é que tem muito médico fazendo cirurgia por aí sem conhecimento algum;, alertou o defensor público de Taguatinga André de Moura Soares. Só este ano ele cuidou de dois casos em que pacientes acabaram lesionados por cirurgias malsucedidas.