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Criança com doença progressiva deixa hospital da Asa Sul

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postado em 05/09/2008 13:50
Guga, puríssima dachshund, gosta de se enroscar em suas pernas. Mas é Tofe, com pelos brancos e negros, quem o protege. Ninguém chega perto dele, se Tofe não deixar. Até o fisioterapeuta, que mexe em todas as partes do corpo do amigo de Tofe, teve que passar pelo seu rigoroso critério de avaliação. Ao sentir que o amigo está indefeso, Tofe corre para atacar. É impressionante e comovente como ele o faz. Tofe é um cão vira-lata. Chegou àquela casa há pouco mais de oito meses, tempo em que o menininho voltou. O amigo de Tofe é Mateus, tem 8 anos, carrega uma síndrome metabólica rara e de difícil diagnóstico, a mitocondriopatia ; deficiência na produção de uma enzima que, dentre outras coisas, provoca atrofia física e neurológica progressiva. Mateus parou de andar aos 4 anos. Mas a conseqüência mais dramática dessa falta de enzima, que produz energia, é a gravíssima insuficiência respiratória. Mateus deixou a UTI do Hospital Regional da Asa Sul (Hras) em dezembro. Antes, porém, entre uma crise e outra, ele pediu um cachorro à mãe. Ela disse que daria, mesmo não tendo certeza que o filho sairia dali. E chorou com a incerteza. No Hras, sem ao menos conhecê-lo (na verdade, o novo amigo ainda nem existia), Mateus sapecou o nome do cão: Tofe. Tofe? Ninguém sabe de onde ele tirou esse nome. É Tofe e ponto final. Mateus voltou para casa, louco para encontrar, sem saber, o vira-latas que o protegeria. Essa história poderia, também, falar da amizade de um menino e seu cão. E fala. Mas é muito mais que isso. É a comovente história de superação de uma criança. Nos momentos mais delicados, diante do coma profundo, até aquela gente de jaleco branco chegou a imaginar que ele não resistiria. Mateus sobreviveu. Em 20 de dezembro, deixou o hospital com destino a Cristalina (GO), 130km de Brasília. Respira vida. A médica Mércia Maria Lima, chefe da UTI neonatal do Hras, uma das que mais lutaram pela sua recuperação, comemora: ;Ele não precisava ficar limitado a um leito de hospital. Longe da UTI, diminuíram o estresse, a depressão e o risco de infecções, aumentando assim a imunidade dele;. O Correio acompanhou todo o drama de Mateus. Para sair da UTI e voltar para casa, ele precisava de um respirador artificial portátil. Sem ele estaria condenado a viver o resto da vida naquele hospital. A história comoveu Brasília. Doações não pararam de chegar. E visitas de uma gente comovida que ele nunca vira antes. Houve oração e corrente de solidariedade. Parceria entre a Secretaria de Saúde do DF (que assumiu o aluguel do aparelho) e a prefeitura de Cristalina (bancou medicamentos e o oxigênio) permitiu que Mateus deixasse o hospital. Felicidade E lá se foi o menininho, depois de 58 dias internado, cheio de fios, tubos e incertezas. Mateus venceu os fios, os tubos e as incertezas. Venceu o medo. Viveu. Está, como nunca esteve nos últimos quatro anos, mais vivo. ;Há oito meses que ele nunca mais teve infecção. É a prova do milagre;, acredita o pai, representante comercial Adair Bizarro, de 38 anos. A mãe, a dona-de-casa Dirlei Maria Miotti, 37, não tem mais dúvida: ;Deus está com a gente o tempo todo;. No início da manhã de quarta-feira, o Correio reencontrou Mateus, em Cristalina. Tofe, claro, estava do lado dele. Aliás, não só Tofe. Guga e Tininha também. Nina, Sadam e Pitchula, três gatos, rondavam a área. Até a papagaia Lolô, esperta que só ela, fazia sala. Para chamar atenção de Mateus, a danada assobia sem parar. E assim, com um sorriso encantadoramente bom, ele recebeu a reportagem. E a surpresa: sem o respirador artificial. Agora, mais fortalecido, ele só usa à noite, para dormir. O fisioterapeuta da prefeitura, José Roberto Grossi, 40, que vai à casa de Mateus de segunda a sexta-feira, explica: ;Com os exercícios, a caixa torácica ganhou mais mobilidade e o pulmão se expandiu;. Emocionado, ele continua os exercícios no bravo menino. Tofe, de olho espichado, vigia Mateus. Não desgruda. Mateus sorri. Depois, junto com os pais ; e, claro, com Tofe os escoltando ; Mateus acompanha o fisioterapeuta até a porta. Empurra a própria cadeira de rodas. Quatro quilos mais gordo ; ele saiu do hospital com 12,7kg e está com 16,7kg ;, Mateus tem se revelado um bom garfo. As multivitaminas da médica Terezinha Cardoso, da pediatria genética do Hras, têm produzido resultados. Adora quando o tio e padrinho, Edson Faita, 41, faz churrasco. Com a voz miudinha, em função da traqueostomia, ele pede: ;Compra gordurinha, tá?;. O tio lhe obedece. A tia, Vera Faita, 38, reza toda tarde, no santuário de Cristalina. Ela agradece as bênçãos na vida do sobrinho. Saborosamente, ele toma chimarrão com a avó, Verônica Mioti, 59. Ela, catarinense, não dispensa a erva todas as tardes, sentada na varanda. Enquanto dá mais um gole, católica e devota de Nossa Senhora Aparecida, ela sentencia: ;Nós vamos vencer, Mateus;. O avô coruja, João Miotti, 62, dono do mercadinho, conta com orgulho as boas-novas a quem pergunta pelo neto. Edson José Faita Júnior, o primo de 21 anos, divide com o baixinho a paixão pelo Grêmio, time de futebol do Rio Grande do Sul. Gremista roxo, Mateus ; que nasceu em Xanxerê (SC) e mudou-se com os pais ainda com um mês de vida para Cristalina ; se enfurece se o chamam de Colorado (apelido do Internacional). Até a voz engrossa. Só visitas Faz oito meses que Mateus só vai ao Hras para consultas de rotina. Quando ele chega, a festa é enorme. Dos porteiros, passando pelas copeiras, aos médicos. A história do menininho comove todos. ;Nunca fomos tão bem tratados em nossa vida como no Hras. E olha que rodamos com Mateus por quase todos os hospitais públicos de Brasília;, diz a mãe. O amor que Mateus despertou nas pessoas do hospital foi tão grande que uma médica saiu de Brasília, viajou 260km ; ida e volta ; só para visitar o menino em Cristalina. E não é só gente do hospital que viaja para visitá-lo. Pessoas que o conheceram na UTI, por meio da reportagem, também vão à cidade. Os que não podem ir ligam sempre para saber como ele está. A solidariedade foi contagiosa. ;A gente agradece todos os dias por tudo que fizeram e continuam fazendo pelo nosso filho. É coisa de Deus;, comove-se, mais uma vez, o pai. Em Cristalina, Mateus virou popular. Na Praça da Liberdade, em frente à sua casa, ele brinca. Debaixo de uma sombra, adora pintar. Os pais montam os cavaletinhos e ele colore os desenhos. Observando a felicidade do filho, Adair desabafa: ;Se acordo à noite, agradeço a Deus pela vida dele. O que eu posso fazer por ele, eu faço hoje. Não deixo nada para depois;. Nesse momento, ainda na praça, chega Larissa, 11, melhor amiga de Mateus, vizinha da mesma rua. Beija-o com carinho. E diz, sabendo o que fala: ;Ele melhorou muito, tá ótimo. Agora a gente pode brincar mais;. Perto das 15h, carregado pelos pais, Mateus seguiu para o Santuário São José. Faz isso todos os dias. De mãos dadas, no colo do pais, reza o pai-nosso. Ele espicha o olhos e olha para a imagem de Nossa Senhora. Avó, mãe, pai e a tia saem de lá com a sensação de plenitude. ;Tem uma foto dele guardada na caixinha de oração;, exulta Dirlei. Depois da reza, uma paradinha no Colégio Maria Montessori, onde estudou do jardim até a primeira série. Lá, ao rever seus amiguinhos de sala, a alegria é contagiante. Os colegas disputam a cadeira de rodas de Mateus. Uma menininha diz, acotovelando-se no meio das outras: ;Você faz falta!”. Laura, 7, loirinha de lindos olhos azuis, meio amiga, meio namoradinha (ele ruboriza quando se fala nisso), balbucia: ;Você tá lindo!”. E pergunta: ;Você vai voltar no ano que vem?;. Valentina, 5, beija-o no rosto. A primeira professora, Adriana Neto, 31, vibrou, aos pulos: ;Com fé em Nossa Senhora, ele vai voltar pra nós. Toda a escola torceu por ele. Esperamos por isso;.

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