Cidades

Protesto: praça dos Três Poderes vira casa

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postado em 19/09/2008 08:13
Despejado no início da manhã de ontem da casa onde morava, no Parque Nova Friburgo, na Cidade Ocidental (GO), Eudes do Carmo Pereira da Silva, 39 anos, não teve dúvidas. Pouco depois das 9h, desembarcava seus móveis na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto. A cama de casal, devidamente coberta por uma colcha verde-água e dois travesseiros, fogão, geladeira, televisor, aparelho de som, liquidificador, louças, caixas com roupas e objetos pessoais formavam uma estranha composição em meio ao vazio da praça. Até a mesa de passar roupas e o ferro elétrico estavam ali, expostos aos olhos dos curiosos como se quisessem enxergar a casa imaginária de Eudes. Como a daquela música que diz ;não tinha teto, não tinha nada;. Lavador de carros desde 2005 no estacionamento do Supremo Tribunal Federal, Eudes estava inconformado. A história que conta é que há três meses a água da Praça dos Três Poderes, que usava para trabalhar, foi cortada. Sem dinheiro para pagar o aluguel, fez um abaixo-assinado entre os funcionários do STF, para ser encaminhado ao presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, e ao presidente Lula, pedindo autorização ;para que a água fosse religada;, explica. ;Eles vão me atender. Essas coisas demoram;, diz o lavador, mostrando os papéis protocolados no STF, em 27 de agosto, e no Palácio do Planalto um dia após. O vento levanta a colcha da cama e Eudes trata de arrumar. Aliás, arrumado é o jeito dele. Bem vestido, nem parece um lavador de carros. ;Estudei até o segundo grau lá em Recife;, explica. Ele conta que vai fazer o concurso do Senado Federal para o cargo de policial legislativo. ;Eu estudo na biblioteca do Senado raciocínio lógico, informática, português, redação, direito constitucional, direito administrativo;, enumera. Solteiro, tem dois filhos que não moram em Brasília. Outro lado Na verdade, a caixa-d;água onde fica o registro do sistema de abastecimento que alimenta os prédios da Praça dos Três Poderes foi lacrada para que nem o lavador nem outros moradores de rua tivessem mais acesso a ela, segundo funcionários. A diretora do Centro Cultural Praça dos Três Poderes, Clarissa Wagner Reyes, explica que foi obrigada a colocar um cadeado na caixa porque está impedida de fornecer água pública para uso particular. Da primeira vez em que lacrou o registro, o lavador de carros quebrou o cadeado e fez ameaças. Clarissa mandou reforçar a caixa do registro. O lavador e os moradores de rua arrombaram novamente. Ela lacrou outra vez. Eudes tornou a fazer ameaças a ela e à funcionária do Panteão da República que, nos últimos dias não circula mais na Praça dos Três Poderes com medo de Eudes. ;Já fui ameaçada de morte;, diz a moça. Esta semana, a diretora do Centro Cultural levou um susto. Descia do carro, em frente ao Panteão, quando foi abordada por um morador de rua armado com uma faca. ;Aqui não tem iluminação à noite, nem segurança. Falta policiamento, tanto de dia quanto à noite;, enfatiza Clarissa Reyes. O caso do lavador, segundo ela, é um de tantos que precisa enfrentar na praça. Um dos mais importantes pontos turísticos de Brasília, o local é usado como depósito de lixo, ponto de encontro de casais, banheiro e moradia de sem-teto. Segurança Não é a primeira vez que a diretora pede providências para melhorar as condições da praça, inclusive por causa dos funcionários que, explica, ;sentem-se inseguros;. O protesto do lavador acabou por volta das 16h. A Polícia do Exército, que guarda o Palácio do Planalto, chamou a Polícia Militar e pediu que Eudes fosse retirado. Com a ajuda de um caminhão da 7ª Companhia da Polícia Militar Ambiental, os móveis e o proprietário foram encaminhados ao Albergue Conviver, que fica em Taguatinga. ;Posso fazer o quê? Só quero um teto;, dizia Eudes, ao lado de suas coisas, guardadas num ambiente do albergue. Ele diz que vai voltar à praça para guardar carros e confirmou ter quebrado o cadeado do registro de água. ;Não posso culpar ninguém pelo que aconteceu. Agora só vou ficar olhando os carros.; O prazo para ficar no albergue é de 15 dias, renovável por mais 15. Nesse período, Eudes da Silva poderá buscar um novo teto e, quem sabe, um novo local para trabalhar.

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