postado em 24/09/2008 07:56
O tempo poderá apagar as marcas do medo, e a rotina do dia-a-dia se instalará novamente na Escola Classe 8 de Ceilândia. Mas sempre haverá quem se recorde do dia 19 de setembro de 2008, quando uma aluna de 13 anos pulou a cerca de arame que protege a lateral esquerda da instituição, encostou um revólver na cabeça da coordenadora pedagógica e apertou o gatilho três vezes, dizendo que queria se vingar.
Todos lembrarão que a garota não matou a professora porque, antes de chegar ao colégio, descarregou a arma dando três tiros para o alto. Quando a menina entrou, por volta das 18h, a diretora estranhou porque ela não tirava as mãos dos bolsos da jaqueta. Ao tentar conversar com a jovem, ouviu a resposta: ;Estou com muito ódio. Vou matar alguém aqui, hoje;. Atrás da diretora vinha a coordenadora pedagógica. Quando a viu, a aluna foi em sua direção, tirou o revólver do bolso, encostou o cano na cabeça da mulher e pressionou o gatilho duas vezes.
Desesperada, a professora tentou se proteger com os braços. Aos gritos, a diretora correu até sua sala, onde ligou para a polícia. Por sorte, a escola já havia esvaziado. O marido da diretora, que estava no local ajudando a montar uma estante de ferro, correu para o pátio. Ao ver a aluna com a arma apontada para a professora, abaixou-se e tentou pegar uma barra de ferro. Mas a menina percebeu seu gesto e virou o revólver para ele. Depois, apertou o gatilho pela terceira vez contra a professora. Em seguida, fugiu, jurando voltar para acabar com todos. A Polícia Militar procurou a adolescente em casa e em vários pontos de Ceilândia, mas não a encontrou.
Ao relatar o caso ontem, a vice-diretora, Waldirene Duarte, chorou emocionada: ;Trabalho aqui há 18 anos. Essa é a primeira vez que acontece algo tão grave dentro da nossa escola e envolvendo um dos nossos alunos;. Na manhã de hoje, a EC 8 reunirá pais, professores e os órgãos que atuam na rede de proteção da criança e do adolescente para buscar formas de reagir à violência. O comandante do Batalhão Escolar de Ceilândia, coronel Nelson Garcia, prometeu manter o policiamento em frente ao colégio até que a situação da menina esteja resolvida. ;A Vara da Infância precisa fazer sua parte e o juiz deve tomar as medidas para que ela não seja mais uma ameaça à instituição;, afirmou. No local, estudam 780 crianças da educação infantil até a 4ª série do ensino fundamental.
Traição
Há duas semanas, a menina, matriculada na classe de aceleração da EC 8, saiu da sala com um colega e foi descoberta aos beijos com ele, por alunos de 3ª e 4ª séries, no fundo do pátio. Ao tomar conhecimento, a coordenadora advertiu os dois. O fato ultrapassou os limites da instituição. Na quarta-feira da semana passada, dois dias antes do incidente, uma jovem que se dizia prima da estudante foi ao colégio e pediu para falar com a coordenadora. Quis saber se a menina estava indo às aulas. A professora disse que sim, mas que tinha ocorrido um fato desagradável e contou o caso com o colega. A jovem não é prima da aluna. É irmã do namorado dela, que está preso. ;Se ela contar para ele, ele vai querer me matar;, disse a garota (leia depoimento).
A coordenadora pedagógica já foi transferida da escola. Na sexta-feira, ela ainda chegou a registrar ocorrência na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) II de Ceilândia. Na segunda-feira, pela manhã, a menina tentou entrar no colégio, mas os policiais do Batalhão Escolar a levaram até a DCA. Como não se tratava de flagrante, ela foi liberada após ser ouvida pelo delegado. A delegacia não tem informações sobre a arma. À tarde, a adolescente voltou à escola e, para que entrasse, uma professora a revistou. No interior, abraçou a vice-diretora e, chorando, pediu desculpas. A garota também foi transferida.
depoimento - adolescente armada
;Foi só para assustar a professora;
;Ela (a professora) não podia ter contado que eu fiquei com outro menino. Então uma pessoa chega à escola e você vai contando o que acontece lá dentro? Se ela (a irmã do namorado da garota) contar para ele, ele me mata. O revólver é meu, comprei com dinheiro do roubo. A minha vó sabe que eu roubo. Ela sabe que eu uso droga. No fim do ano, eu vou pro Ceará morar com a minha mãe, tenho saudade dela. Eu fiquei aqui pra estudar e por causa do meu namorado. Eu sei que ele é perigoso, mas gosto dele. Quando eu crescer eu quero ser bióloga, cuidar dos bichos e ter filhos. Eu não ia matar a professora. Eu atirei pro alto antes de entrar na escola. Foi só pra assustar, ela não podia ter contado para a outra o que aconteceu.;
Uma menina deixada pelos pais
O corpo ainda é de menina, mas os olhos carregados de revolta são mais experientes do que os de muita mulher adulta. Deixada para trás há dois meses, quando os pais voltaram para o Ceará levando apenas a filha de 6 anos, a garota que ameaçou atirar na professora ficou com a avó, em Ceilândia Norte. ;Ela não pára em casa, passa a noite na rua. Não sei onde ela anda, nem com quem. A mãe não quis levar, disse que estava cansada, que tinha feito tudo que podia, que era hora dessa menina se virar.;
Pior é saber que a neta está jurada de morte. ;Já vieram me avisar que andam querendo a cabeça dela. Não sei o que fazer, porque ela também ameaça matar a gente;, diz a avó, com a voz por um fio.
A casa onde moram fica por trás de um pedaço de portão que já foi de madeira verde e está sempre aberto. Dentro, sete casas dividem um pequeno pátio onde brincam juntas as crianças de todas as famílias. Na última casa, moram avó, neta, tio desempregado com filho e tia com filha.
A menina está em pé em frente à televisão, mastigando alguma coisa. Não demonstra nenhum tipo de sentimento quando a repórter do Correio se apresenta. Larga o prato, senta-se na ponta do sofá, olha rapidamente, baixa o olhar e espera. Com voz quase sumida, responde as perguntas de forma lacônica. ;Atirei porque a professora me traiu.; Comprou o revólver em Ceilândia com dinheiro de roubo. ;Uso drogas, sim.; E só queria assustar a professora. Conseguiu deixá-la em pânico.
A direção da EC 8 não revelou o nome nem repassou qualquer contato da professora. O nome da garota não foi divulgado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). (TC)
"Ela não pára em casa.(%u2026) A mãe não quis levar (para o Ceará), disse que estava cansada, que tinha feito tudo que podia, que era hora dessa menina se virar" Avó materna da adolescente