postado em 01/10/2008 08:26
Policial militar tem de ;vestir a farda;. Quando decide entrar no quartel, assume o compromisso previsto no Artigo 32 do Estatuto da PM do Distrito Federal, lei que vigora desde 1984. É dever do policial dedicar-se integralmente ao serviço da corporação e ser fiel a ela (veja O que diz a lei). O deputado federal Jair Bolsonaro (PP/RJ), no entanto, acha esse sacrifÃcio um exagero. Por isso, apresentou um projeto de lei que, na prática, regulariza os bicos. ;Por que não? Por que o policial militar tem que ser escravo da carreira?;, questionou ele, por telefone, enquanto panfletava ontem, no Rio, em favor de um candidato à prefeitura da capital fluminense.
A PolÃcia Militar do DF é a única que obedece a uma legislação federal. Qualquer proposta de mudança no estatuto, portanto, só pode partir de uma das casas do Congresso Nacional. No texto apresentado em 4 de agosto deste ano, Bolsonaro estabelece uma diferença entre ;dedicação integral; e ;exclusividade;. Ele entende que o policial deve fidelidade à farda apenas quando está com ela. À noite, nas folgas ou aos domingos e feriados, não há por que impedi-lo de exercer qualquer outra atividade. ;Todo mundo tem o direito de evoluir, de ganhar um dinheiro a mais;, defendeu o deputado, que foi militar durante 17 anos antes de, em 1991, assumir o primeiro de cinco mandatos na Câmara.
Na última segunda-feira, o governador José Roberto Arruda anunciou concurso para contratar 1,5 mil soldados. Pela primeira vez, será exigido curso superior aos candidatos. O salário? R$ 4 mil. A PM brasiliense é a que paga melhor no Brasil. ;A pessoa que diz que R$ 4 mil é bom é porque ainda vê o policial como alguém sem qualificação e à margem da sociedade;, comentou o presidente da Associação dos Oficiais da PM do DF, major Leobertino Lima Filho. ;Pode ser bom em relação ao restante do paÃs, mas está muito aquém da realidade de BrasÃlia;, completou o policial, que até então desconhecia o projeto.
Mundo capitalista
Satisfeito com a proposta do deputado do Rio de Janeiro, o major Lima Filho sustentou a idéia de que ;a dedicação integral vale para quando o policial está em serviço;. Alegou que o direito de exercer outras atividades ajudaria a aproximar o policial da comunidade. E tentou justificar os bicos. ;O policial é um ser humano como qualquer outro. Vive em um mundo capitalista e tem suas ambições, quer sempre melhorar seus rendimentos;, argumentou o representante da categoria, reafirmando que R$ 4 mil não é um salário ideal.
O projeto será analisado por três comissões da Câmara dos Deputados em caráter conclusivo ; ou seja, não precisa ir a plenário. Depois, se aprovado, seguirá para o Senado. Para virar lei, ainda terá de ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na avaliação do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cláudio Beato, especialista em segurança pública, a proposta é uma tentativa de abrir uma brecha na lei para consagrar o bico. Para ele, a mudança na legislação seria perigosa. ;O policial corre mais risco quando está fora da corporação. A maior parte das mortes envolvendo policiais ocorre quando eles fazem bicos;, alertou o especialista.
A PolÃcia Militar não se pronunciou oficialmente sobre o projeto de lei. Nem mesmo reconheceu que o bico é prática comum entre os policiais. Em agosto deste ano, uma operação da PolÃcia Federal encontrou 11 policiais exercendo a atividade de segurança clandestina no DF. ;É gravÃssimo. Com que qualidade o policial exerce sua atividade depois de trabalhar como segurança?;, ponderou, na época, o delegado da PF Rodrigo Ziembowicz. ;Todo mundo sabe que o bico é a coisa mais comum dentro da corporação;, afirmou um soldado, que pediu para não ser identificado.
O QUE DIZ A LEI
A Lei Federal nº 7.289, de 1984, dispõe sobre o estatuto dos policiais militares do DF. O Artigo 32 traz como dever de todo policial a ;dedicação integral e a fidelidade à instituição a que pertence;. O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), ao apresentar o Projeto de Lei nº 3781/08, quer acrescentar um parágrafo ao artigo, em que conceitua dedicação integral como ;empenho exclusivo do policial durante o turno para o qual está escalado;.