postado em 03/10/2008 08:31
Um cassino funcionava havia pelo menos dois meses na Península dos Ministros, uma das áreas mais nobres e vigiadas do DF e do país. A jogatina corria solta durante dia e noite. Doze mesas profissionais de pôquer estavam montadas na casa 20 do Conjunto 9 da QL 12 do Lago Sul, cercada por muro alto e sofisticado sistema de monitoramento. No conjunto ao lado, ficam as residências oficiais do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que abrigam os presidentes das duas instituições. Na mesma quadra mora o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Agentes da 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul) puseram fim à jogatina na madrugada de ontem, em operação com 25 homens. A ação, que começou às 23h de quarta e terminou pouco antes das 4h, resultou na prisão de 40 pessoas e na apreensão do material usado nas apostas, como mesas, fichas e baralhos. Também foram encontrados livros-caixas, recibos e outros comprovantes da movimentação financeira da casa, além de centenas de fichas de inscrição da Associação de Poker Competitivo do DF, considerada ilegal pela polícia. Os presos em flagrante ; oito funcionários e 32 jogadores ; foram levados à 10ª DP, junto com o material das apostas, que encheu dois caminhões. As pessoas foram liberadas após prestar depoimento e assinar termo circunstanciado. Vão responder ao processo em liberdade pela prática de jogo de azar, que pode render até um ano de cadeia. Os kits de jogo serão periciados, assim como os documentos. Agora, os investigadores querem saber quem é o dono da residência e maior beneficiário da jogatina. O gerente da casa de jogos foi identificado. A polícia não divulgou a identidade. Mas diz ter provas contra um homem de 37 anos, morador do Bloco F da 211 Norte, preso ontem. Conhecido como Wlad, o nome dele aparece em recibos de compras e nos livros-caixas apreendidos. ;Sabemos que ele é o gerente, mas temos que descobrir quem é o chefão. Quando identificarmos o dono do negócio, poderemos indiciá-los por crimes como formação de quadrilha;, afirmou o delegado Aelio Caracelli Júnior, adjunto da 10ª DP. Apostas altas Os policiais não apreenderam dinheiro. Alegam que, devido ao tamanho da casa, que tem seis quartos e dá fundo para o Lago Paranoá, os contraventores tiveram tempo de esconder notas e cheques quando os agentes chegaram. Além do sistema de monitoramento ; que inclui câmeras nos cômodos, garagem e varanda ;, na porta da residência havia dois seguranças. Eles estavam desarmados e não impediram a entrada dos policiais. Os freqüentadores e funcionários permaneceram de cabeça baixa e de mãos para trás durante o flagrante. Até a noite de ontem, os investigadores não tinham noção de quanto a casa faturava com a jogatina. Devido ao grande volume de equipamentos e de documentos, a análise do material apreendido só deve terminar no fim desta sexta-feira. Em uma consulta preliminar, os agentes identificaram apostas de até R$ 3 mil. ;O certo é que as apostas eram altas, pois os freqüentadores tinham alto poder aquisitivo e havia muitas fichas de 1.000, que alguns disseram corresponder a R$ 1 mil;, contou Caracelli Júnior. Estrangeiros A maioria dos apostadores presos é homem, tem entre 25 e 40 anos e mora no Plano Piloto. Três mulheres e dois jordanianos, que se identificaram como comerciantes, também estavam entre os detidos. Nos depoimentos, todos alegaram que estavam na casa pela primeira vez. Os investigadores duvidam. A polícia começou a investigar a casa há três semanas, após receber ligações de moradores preocupados com a movimentação intensa na quadra, principalmente à noite. Desde então, policiais à paisana passaram a fazer campana em frente à residência. A equipe da 10ª DP só teve certeza do que ocorria lá após alguns agentes se infiltrarem entre os jogadores. O Correio apurou que a jogatina corria solta havia pelo menos seis meses. Mas de forma discreta. Potenciais jogadores eram convidados por meio de cartas remetidas por uma agência de empregos, com sede em Ceilândia Norte e no nome de um consultor de recursos humanos. Os investigadores acreditam que tanto a agência de empregos quanto o consultor são fictícios. Mas, na frente dos envelopes, abaixo do nome e do endereço da tal agência que seria localizada em Ceilândia, consta o endereço da casa de jogos no Lago Sul. Dezenas de envelopes desse tipo, com identificação e endereços de supostos apostadores no verso, estão entre o material apreendido. O delegado Antônio Cavalheiro Filho comandou as investigações e a operação que culminou no fechamento do cassino da Península dos Ministros. Ele não quis dar detalhes do que foi apreendido. Só adiantou que agora os agentes têm a missão de descobrir o chefão. ;Há possibilidade do uso de laranjas no negócio. O que temos que deixar claro é que o jogo de azar é uma contravenção e dá cadeia;, ressaltou. Festa de arromba Não é a primeira vez que a casa 20 do Conjunto 9 da QL 12 do Lago Sul é alvo de uma batida policial. Em junho de 2005, 40 policiais militares foram acionados para acabar com uma festa rave. Na época, moradores da quadra fizeram reclamações contra constantes festas no imóvel. Algumas chegaram a reunir mais de 1,5 mil pessoas. Em um dos eventos, os organizadores colocaram grades de metal para ;organizar; a entrada. As vias da QL 12 foram tomadas por mais de 400 carros. A Península dos Ministros também virou caso de polícia por causa de uma construção organizada e custeada pelos moradores, há cinco anos. Eles ergueram uma guarita na entrada da quadra sob o argumento de aumentar a segurança. A associação de moradores passou a controlar o acesso da comunidade ao Lago Paranoá por aquela rua. A Justiça pôs fim à prática, mas a guarita continuou de pé e vigilantes particulares passaram a fazer a ronda na quadra a pé, em motos e de carro. Eles podem ter afugentado os ladrões, mas não inibiram os contraventores. Memória Flagrantes na Asa Sul A jogatina fora-da-lei na capital foi sacudida em 12 de setembro deste ano, quando a Polícia Civil estourou dois tradicionais cassinos na Asa Sul, um na 514 e outro na 714. Durante a operação, 25 pessoas foram detidas, entre elas um cabo da Polícia Militar, servidores do Congresso e do Banco Central. A soma dos cheques apreendidos chegava a R$ 270 mil. A investigação durou 40 dias e partiu de denúncias feitas por esposas dos jogadores. Nos cassinos, os policiais encontraram maconha, cocaína, armas e munição. Agentes da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul) ainda apuram a suposta lavagem de dinheiro praticada nas casas desativadas. Na edição de 21 de setembro, o Correio revelou que a jogatina em Brasília também se esconde em mansões do Lago Sul. Com base em depoimento de jogadores, a reportagem mostrou que, para pôr a mão no baralho e nas fichas, os freqüentadores das mansões precisam desembolsar pelo menos R$ 2 mil.