Cidades

Fotógrafa traz à capital imagens que contam a história de uma favela pernambucana

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postado em 14/10/2008 08:05
Durante um ano, Barbara fotografou a realidade dos moradores da região
Brasília Teimosa convida Brasília para uma viagem muito particular. Comovente até. A primeira é a prova total do que se pode chamar de resistência e, claro, teimosia. Teimosia pura. A segunda, o sonho de JK. A primeira começou a querer existir em função dos rumores de que a segunda também existiria. Na verdade, ambas são frutos de sonhos. Nos textos que se publicaram anos depois, se dizia, de uma e de outra: ;Enquanto no Planalto Central Juscelino Kubitschek erguia Brasília, a capital federal, a população de Brasília Teimosa lutava contra a expulsão e em favor da permanência dos seus moradores, grande parte feita de pescadores...; Em 1956, muito antes do traçado reto e imponente de Lucio Costa virar realidade, já se lia nos jornais: ;Em janeiro, cinco pescadores chegaram ao Rio de Janeiro, vindos do Recife, em uma pequena jangada, para assistir à posse do presidente Juscelino. Eles foram chamar atenção para a comunidade que vivia sob ameaça de expulsão da polícia;. Os barracos, derrubados durante o dia, eram reconstruídos à noite. Assim, entre paus e pedras, prisões e violência, nascia Brasília Teimosa. Mais de meio século se passou. Histórias povoam aquele lugar. O que era favela virou um bairro de Recife. Está localizado no final da rica e poderosa Boa Viagem, num dos metros quadrados mais caros e cobiçados da capital pernambucana. Morar ali é luxo puro. Sinal de prosperidade. Em 2004, o governo federal urbanizou Brasília Teimosa. Construiu uma avenida principal. O nome? Avenida Brasília Formosa. Há casas de dois pavimentos. Seus moradores ; pescadores e gente humilde ; dormem ao balanço do som do mar. O vento assanha os cabelos das mulheres. Esse é o lugar que a fotógrafa Bárbara Wagner, de 28 anos, quer que o brasiliense conheça. Durante um ano, ela fotografou a realidade dos moradores da região. Conversou, viu suas vidas, seus costumes. Soube da história de luta daquela gente. Todo esse trabalho virou um livro e exposição, que já andou pelo Rio de Janeiro e São Paulo. Agora, chegou a Brasília. Bárbara, que nasceu em Brasília e morou na Asa Sul, mudou-se para Recife aos 5 anos de idade. Voltou à cidade em setembro, pela primeira vez desde que foi embora com a família. Demorou-se aqui por dois dias. Veio conhecer a galeria onde seria montada sua exposição. Depois, viajou para bem longe. Outro lado do mundo Da China, Bárbara conversou por telefone com o Correio, no início da tarde de ontem. A fotógrafa foi cuidar da mesma exposição que produzirá por lá e depois seguirá para a Holanda, com o mesmo propósito. ;Minhas lembranças estão impressas em meus álbuns de família. Por isso, tenho por Brasília aquela saudade das coisas que ainda não vivi;, ela diz, emocionada. E o que ela achou da cidade? ;Fiquei impressionada. É um verdadeiro laboratório para quem pensa o espaço urbano.; Bárbara Wagner está emocionada pela sua Brasília Teimosa ter chegado à terra de JK: ;Estou muito feliz em poder mostrar meu trabalho em Brasília, que está na origem do nome e na história da comunidade que fotografei;, diz a fotógrafa dos contrastes. Gleide Selma, 50, presidente do Observatório Arte Fotográfico, acompanhou Bárbara em todo o processo do trabalho. Virou curadora da exposição. No encarte, ela escreveu: ;...ela permite que os sujeitos retratados representem suas próprias vidas, operando um discurso que é ao mesmo tempo flagrante e cena. Nesse sentido, as cores fortes e os flashes chapados se distanciam de qualquer sensacionalismo para reforçar uma expressão que berra ao invés de falar;. Para entender Brasília Teimosa é preciso vivê-la. E senti-la. EXPOSIÇÃO BRASÍLIA TEIMOSA - FOTOGRAFIAS artigo Viagem à realidade feita de sonhos Em agosto do ano passado, fui, pelo Correio Braziliense, a Recife. O motivo da viagem era coordenar uma oficina de textos no Diario de Pernambuco, jornal do mesmo grupo Associados. Há muito ouvia falar em Brasília Teimosa, mas só imaginava como seria aquele lugar. Quando cheguei, a diretora de redação, Vera Ogando, levou-me para almoçar num restaurante simpático e com uma vista cinematográfica de Boa Viagem. E disse-me, com seu sotaque gostoso: ;Seja bem-vindo à Brasília Teimosa, Marcelo!” Era um domingo. Estava ali. O vento do mar, em frente às casas, assanhava os cabelos das mulheres. As crianças corriam pelo calçadão. Jovens se divertiam na praia. As ruas e ruelas estavam enfeitadas com roupas estendidas no varal. Todas as ruas ganharam nomes de peixes. Extasiado com a cena, com as vidas, cores e tantas histórias que pulavam pelos meus olhos, disse à Vera: ;Quero fazer uma matéria nesse lugar;. Na terça-feira, estava lá, com a fotógrafa Jaqueline Maia. Foi uma viagem a um mundo que não aparece nos cartões-postais de Recife. Durante dois dias, descobri gente de uma dignidade ímpar. Uma delas, Angelita Clemente da Silva, de 55 anos, me disse, logo nos primeiros minutos de conversa: ;Tu já ;visse; alguém ser infeliz se tem esse mar pra olhar todo dia?; E continuou a conversa, com o mar a menos de 20m da porta de sua casa: ;Antes, só era favela. Hoje, Brasília tá bonita, mas continua teimosa. A vida real tá aqui;. Ainda comovido, voltei à redação. No meu bloquinho com letra que só eu entendo, havia histórias de luta, sonhos e determinação. Escrevi a matéria, publicada no DP e no Correio. E voltei a Brasília, não a teimosa, com a sensação bem particular de ter contado uma das melhores histórias da minha vida.

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