Cidades

Como área de influência, Brasília tem lucros e prejuízos

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postado em 19/10/2008 09:02
A região considerada Entorno de Brasília é muito maior do que se pode imaginar. O estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre as redes de influência do país mostra que há gente morando muito longe da capital federal, mas que, de lá, tem a cidade como alicerce. Brasília, pela primeira vez em quatro edições do estudo, foi classificada como metrópole nacional. Por um lado, isso é bom, representa progresso e riqueza. Por outro, serve de alerta. O Distrito Federal, que já sofre com a pressão exercida pelas cidades vizinhas, tem também de se preocupar com a demanda vinda de todos os 298 municípios influenciados por Brasília, estejam eles onde estiverem. Se pensarmos nos desafios criados pelo título de metrópole, o mais latente é, sem dúvida, o da saúde pública. Todo dia, antes das 5h, um microônibus cheio de pacientes sai de Buritis, no interior de Minas Gerais, rumo a Brasília. São 215km de distância entre uma cidade e outra. Além do microônibus, ambulâncias fazem o mesmo trajeto diariamente. E basta ir ao estacionamento dos hospitais públicos do DF para constatar que a situação não se restringe a Buritis. A rede pública de Brasília atrai pacientes das cidades que fazem parte da região de influência. ;Esse é o nosso desespero;, desabafa o secretário de Saúde, Augusto Carvalho. Em Buritis, o motorista da ambulância da prefeitura que leva os pacientes a Brasília é celebridade. Todo mundo sabe quem é o Sula, apelido de Ursulino Vieira, 40 anos. Até vereador o homem já foi. ;Médico aqui é ;doutor motorista;;, comenta ele, depois de dizer que são raras as vezes em que não pega a estrada duas vezes por dia. O caminho, ele conhece como ninguém. ;Se eu cochilar no volante um dia, o carro vai sozinho;, brinca. A estrada está toda asfaltada. No fim do ano passado, foram inaugurados os cerca de 35 km que até então eram de terra ; um alívio para os motoristas. Vida cigana Dona Aurelina Silva de Oliveira tem 54 anos. Nasceu em Arinos, a 95km de Buritis e a 240km de Brasília. Nunca foi a Belo Horizonte, capital do seu estado. Mas perdeu as contas de quantas vezes viajou à capital federal para se tratar. ;Prefiro fazer os exames lá. Aqui você trata, trata, trata e sempre dizem que você não tem nada;, comenta a aposentada, mãe de quatro filhos e avó de quatro netos: todos morando no DF. ;Os jovens têm que ir embora daqui para crescer na vida;, decreta Aurelina, que só não vai todo mês a Brasília porque reclama do preço da passagem de ônibus. O bilhete custa R$ 30. De acordo com o estudo do IBGE, a população desloca-se, em média, 54km quando procura atendimento médico fora do município. Dona Aurelina e os pacientes de Arinos percorrem 240km. Os passageiros do microônibus que sai todo dia de Buritis, 215km. ;É por isso que não somos e nem podemos ser tratados como uma região de apenas dois ou três milhões de habitantes;, reforça o secretário Augusto Carvalho. Ele afirma que a situação só tem chances de melhorar com mais recursos para o DF e, principalmente, com mais investimento nas localidades de origem desses pacientes. Se a saúde preocupa, a economia e o turismo da Brasília considerada metrópole nacional só têm a comemorar. ;Quanto maior a área de influência de uma cidade, maiores os recursos atraídos para ela. A cidade suga parte dos recursos dessa região;, explica o economista Júlio Miragaya, do Conselho Federal de Economia, e coordenador de planejamento territorial do Ministério da Integração Nacional. A crescente região de influência de Brasília aumenta a concentração de riquezas no DF. ;A população das cidades influenciadas consome aqui;, detalha Miragaya. Verdureiro nato E como isso é verdade! Para Jaci Mendes da Silva, por exemplo, um senhor de 64 anos que vive em Arinos, Brasília é um centro atacadista. Durante muito tempo, duas vezes por semana, ele ia à capital federal buscar as frutas e verduras vendidas no município mineiro. ;Foi eu quem ensinei esse povo a comer verdura;, orgulha-se. Com a estrada ruim, chegou a encarar certa vez um engarrafamento de 21 caminhões atolados, conta. Hoje é o filho quem faz a viagem semanal. Mas ele continua sendo o grande abastecedor de frutas e verduras da cidade. Sete mercados de Arinos compram de Jaci. Em Buritis, acontece a mesma coisa. As frutas e verduras que chegam por lá também saem de Brasília, dos pontos de venda das Centrais de Abastecimento do DF, a Ceasa. Aos domingos e às quartas-feiras, um funcionário do mercado de Nilson da Silva Neiva, 41 anos, pega a BR-020 com uma listinha na mão. Volta, a cada viagem, com cerca de quatro toneladas de alimentos na caçamba do caminhão. ;Buscar em Belo Horizonte fica contramão demais. Tem que ser em Brasília mesmo;, comenta Neiva. A capital mineira fica a quase 800km de Buritis. O estudo do IBGE aponta que, para fazer compras, a população brasileira se desloca cerca de 49km, em média ; distância bem menor do que a percorrida pelo funcionário de Nilson, em Buritis, e pelo filho de Jaci , em Arinos. Brasília é o caminho para fazer compras e também para quem quer se divertir. ;Aqui (em Buritis) não tem nada. Só a boate e o banho de rio nos fins de semana;, protesta a técnica em enfermagem Eliane Ferreira Dias, 25 anos. Vez ou outra ela está em Taguatinga, aproveitando os dias de folga. A única boate de Buritis só abre de 15 em 15 dias.

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