Cidades

Vila Rabelo, um lugar chefiado por mulheres, que lutam pela sobrevivência

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postado em 19/10/2008 09:10
A casa de alvenaria tem três quartos, um luxo para a Vila Rabelo 2, na região da Fercal, em Sobradinho. No banheiro, é difícil contar o número de cremes e condicionadores. Também chama a atenção a quantidade de escovas de dente. A maioria delas, cor-de-rosa. A predominância da cor não é uma coincidência. Vivem lá 10 mulheres, com idades entre 2 e 58 anos. E no mês que vem, uma outra moça chegará à família, filha de Ana Carolina*, grávida de nove meses. A menina será mais uma a crescer sem a presença do pai, que não vive com Ana Carolina.

Não será a primeira filha de Ana. Ela tem uma menina de 2 anos com outro rapaz que é vigia de uma escola em Sobradinho. Lúcia* mal conhece o pai, que tem outra família e visita a garotinha de cabelos claros ;quando dá;. Além das duas, vivem na casa duas irmãs de Ana Carolina, mães de outras cinco meninas, e dona Solange*, avó dessa meninada toda. Lá não mora um homem. Do sexo masculino, apenas um gato chamado Peludo.

O cenário da animada casa de dona Solange, que é merendeira, é o retrato da Vila Rabelo 2. É raro encontrar um pai de família nos quase 200 barracos e casas espremidos entre os barrancos da região. A miséria tirou os homens de casa. Seja pela prisão, pelo abandono ou, até mesmo, pela morte. ;A falta de estrutura familiar não é exclusividade dos mais pobres, mas ela se manifesta com características muito singulares na miséria;, explica a socióloga Renata Limeira, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Chuva e rezas

De acordo com ela, o pai não estar presente também pode ocorrer na classe média, mas, entre as famílias mais pobres, a ausência é associada ao não reconhecimento da paternidade e a um agravamento da situação de miséria. E miséria é o que não falta na Vila Rabelo 2. O único lazer do lugar é assistir à televisão nos pequenos cômodos das casas. À noite, é possível ver as luzes azuis que saem pelas janelas. Até porque não há iluminação pública no local. Só dá para enxergar algo fora das casas quando é noite de lua cheia. Não que o cenário seja passível de admiração. Não há asfalto, esgoto, escola ou posto de saúde. À noite, ninguém se atreve a sair nas ruelas de terra batida. Quando chove, todo mundo reza. Mais de 20 barracos estão condenados pela Defesa Civil.

Mesmo morando a menos de 10m do barranco, Maria Anunciação, de 67 anos, não quer nem ouvir falar de ser transferida pelo governo. ;Eles falam em tirar a gente daqui, mas moro no meu barraco desde 1977 e não vou para outro lugar. Paguei por esse lote. É o único bem que eu tenho;, conta. ;Aqui tem problemas, mas onde não tem?;, pergunta.

Na casa de Anunciação, existem homens. Dois. São os netos dela que vivem lá com quatro irmãs. ;Minha filha teve seis filhos. Tudo com pais diferentes. E, se é para ter pai que nem das minhas meninas, melhor nem ter;, sentencia. ;Eles não querem nada. Só o pai de um é que se preocupa.; Nos próximos dias, a casa de Anunciação vai ficar mais vazia. Um dos netos vai embora para o Norte. Ameaçado de morte depois de ser preso por furto, ele está pronto para salvar a própria vida. ;Levaram um celular e R$ 30 de uma mulher, mas não foi ele;, comenta Anunciação sobre o jovem de 16 anos.

Morador da mesma rua que ela, João* não teve a sorte de conseguir fugir. Apareceu morto após uma briga na região em janeiro. Deixou um menino de três anos e a mulher, Rita*, que ainda hoje tem medo de sair à rua. ;Continuo aqui porque não tenho ninguém.;

*Alguns nomes foram trocados em respeito às determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

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