postado em 25/10/2008 08:50
Um envelope de banco, R$ 2 mil perdidos e um gesto de honestidade. Assim começou o dia de reconhecimento e graça de um encarregado de eletricista brasiliense. Silvestre dos Santos, 35 anos, jamais vai esquecer o momento em que teve nas mãos o equivalente a dois salários do mês e devolveu ao dono. ;Nem lembrei das minhas dívidas. Sou servo de Deus. Aprendi que o que é meu é meu e o que é dos outros é dos outros. Para mim, honestidade virá sempre em primeiro lugar;, afirmou o presbítero de uma igreja evangélica do Recanto das Emas.
Silvestre sabia que o dinheiro encontrado no estacionamento do Superior Tribunal Federal (STF) era de alguém com nome, telefone, endereço, obrigações e família. Do mesmo jeitinho que ele, homem casado e pai de três filhos. Por isso, ao levantar o bolo de notas do chão, não pensou duas vezes antes de devolvê-lo. O eletricista o descobriu por volta das 14h30 de quarta-feira. Trabalhava ao lado de quatro colegas, todos funcionários de uma empresa prestadora de serviços para a Companhia Energética de Brasília (CEB). Desde terça o grupo instala a iluminação pública dos arredores do STF.
Silvestre, responsável pela equipe, lembra que viu o envelope em cima de uma mureta. Não estava completamente fechado. Tanto que logo viu as primeiras cédulas de R$ 10. Tomou um susto. E avisou os companheiros de trabalho. Nenhum deles acreditou. Alguns riram. Só se surpreenderam depois de enxergarem a dinheirama. Diz o eletricista que os colegas tiveram a mesma idéia dele, a de devolver o tesouro recém-encontrado. ;Vi que o envelope tinha o logotipo do mesmo banco daqui do STF. Só podia ter saído de lá;, contou.
Ele, então, caminhou até a agência bancária do tribunal e explicou a história para um segurança. O vigilante o encaminhou ao chefe, que, finalmente, o apresentou a uma das gerentes. A mulher recebeu o dinheiro, ouviu o relato e pensou em quem poderia ter sacado aquela quantia ainda na quarta-feira. Repassou todas as altas retiradas do dia e chegou a um dos clientes da agência: o pastor evangélico Francisco Ramalho Medeiros. Pegou o telefone e ligou na frente de Silvestre. ;Eu percebi que ele não acreditou na primeira vez e derrubou a ligação;, disse o eletricista.
O pastor Ramalho imaginou se tratar de um trote. Sequer cogitou a possibilidade de ter perdido parte do dinheiro resgatado para pagar as contas da entidade que administra. Mal sabia que os R$ 2 mil deixados na rua eram mesmo dele. Mas, pela segunda vez no dia, a sorte reapareceu. A gerente insistiu e ligou mais uma vez. Ele atendeu. Ela pediu que conferisse se o saque de R$ 5 mil, separados em dois envelopes, continuavam com ele. Voltou ao carro que o pegou no STF e sentiu um frio na espinha. ;Vi que tinha perdido as notas. Achei os R$ 3 mil, mas faltava o resto. Eram despesas de fornecedores%u2026;
O evangélico voltou na mesma hora à Praça dos Três Poderes. Entrou no banco esbaforido. Só relaxou ao enxergar a gerente, as várias cédulas de R$ 10 e o encarregado de eletricista. Do abraço no novo amigo se seguiu a emoção. ;A gente sempre acredita que ainda existem pessoas honestas neste mundo. Se a gente planta coisas boas, certamente vai colher coisas boas. E foi isso o que aconteceu conosco;, desabafou. O pastor entregou R$ 100 a Silvestre, que repartiu o prêmio com os quatro colegas e a igreja do Recanto das Emas. Sobrou pouco mais R$ 50 para a família.
Herói do dia
Silvestre viveu o dia de ontem, o seguinte desde o gesto de honestidade, como estrela de cinema. Entre entrevistas e felicitações, aceitou o convite para conhecer o Centro de Reintegração Deus Proverá, em Planaltina. A entidade, administrada pelo pastor Ramalho, cuida de 65 abrigados entre 18 e 60 anos. Todos dependentes de drogas e álcool. Circulou pelo lugar e, ao fim do encontro, se reuniu para uma oração. O encontro ficou marcado pela emoção, pois ali dezenas de homens em recuperação souberam da história do eletricista que encontrou R$ 2 mil e devolveu ao dono.
O pastor Ramalho o citou como exemplo. Revelou que ganha pouco mais de R$ 1 mil por mês. E que, por um momento, teve nas mãos o salário de dois meses. ;Foi por causa desse gesto que pagamos parte das nossas contas;, discursou. O eletricista tomou a palavra. E emocionou a todos. ;Que a minha história e a do pastor sirva de exemplo para muita gente;, encerrou. Muitos fizeram fila para cumprimentá-lo. Esperaram para dar os parabéns ao morador do Recanto das Emas, que, apesar da dívidas, preferiu a honestidade.