Cidades

Quase 10% dos alunos de escolas públicas do DF admitem fazer parte de gangues

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postado em 27/10/2008 08:15
Ele é de galera. Sente-se valente por isso, respeitado e fala o que lhe der na telha. ;Tem professor e diretor que é muito folgado. Quem me xinga, eu sento a pancada. Não levo desaforo para casa, não;, avisa, em tom de deboche. Quando tinha 13 anos, conta orgulhoso, foi expulso da escola onde estudava porque deu um ;boxe; na professora. ;Boxe; é murro, mas ele tem um jeito todo próprio de se expressar: ;tem umza ;prensa; minha lá na Igreja Universal;. ;Prensa; é pichação, que, aliás, tem na igreja, na casa de vizinhos e no portão da escola onde estuda, em Samambaia. Hoje, aos 17 anos, ele se esforça para terminar ao menos a 8ª série. Quer concluir os estudos para ;dar um futuro bom; ao filho que há quatro meses está na barriga da namorada. Mas há uma semana não pisa no colégio. Em Samambaia, 3,9% dos alunos admitiram fazer parte dessas galeras. Apesar de significativo, o percentual não chega nem perto de cidades vizinhas. Em Ceilândia, é quase o dobro. E, em Taguatinga, chega a 8%.Os dados fazem parte da pesquisa encomendada pela própria Secretaria de Educação para promover uma política de prevenção da paz e combate à violência. ;Casos de violência relacionados às gangues, como agressão física ou roubos, precisam de intervenção policial. A escola será orientada a buscar os órgãos da Segurança Pública para não permitir essas ocorrências dentro dos muros dos colégios nem em seus arredores;, comenta o secretário José Luiz Valente. Alheio aos planos do governo, o rapaz de galera solta o verbo. Muito do que diz é claramente para chamar a atenção, mas é tudo verdade, garante. Já usou maconha, cocaína, lança-perfume, ropinol ; dentro e fora do colégio. ;Na escola é dentro dos banheiros, tá ligado? Tudo mocozado. Não é assim à mostra também não;, comenta. Primeiro, vem com a história de que já roubou celular e tênis de colegas. Dá gargalhadas e volta atrás. Fala que era brincadeira e confirma apenas que furtou besteiras. As brigas ele não parou para contar quantas foram. ;Mas foi tudo por bobeira também;, reforça o jovem de cabelo moicano e piercing na língua. São esses pequenos furtos e brigas que constroem a moral do adolescente na galera. Assim como saber onde comprar as drogas. A pichação com o nome dele espalhado pela cidade garante a identidade da gangue. Grupos fechados As ;galeras; trazem medo para a escola porque, com elas, os alunos passam a ser divididos em grupos fechados. Quem não se encaixa em algum fica isolado e, mesmo assim, corre o risco de ser alvo de confusões. ;O problema é que, se você arranja confusão com uma pessoa só, ela chama não sei quem, aumenta a história e aí pronto;, relata uma estudante do 1º ano de Brazlândia. Lá, 8,6% dos estudantes reconheceram fazer parte de gangues. ;Tem de pichação e tem as que roubam, usam droga, essas coisas. Tem pessoas que entram nas gangues para se sentir protegido, sabe? Porque, na gangue, mexeu com você, mexeu com todos;, descreve uma menina de 16 anos, do Centro de Ensino Médio 417 de Santa Maria. Ela também faz parte de uma ;galera;. Em média, 71% dos alunos constatam pichações ou depredações na escola. A cidade com maior índice citado pelos entrevistados é Ceilândia, com 81,6%. A pesquisa avaliou alunos e professores da 5ª à 8ª série do ensino fundamental e do ensino médio. Ao todo, são 186 mil estudantes e 20 mil docentes. Ameaças no mundo virtual As provocações entre alunos e a violência escolar, conhecidas como bullying, se modernizaram. A agressão psicológica, praticada não apenas por alunos entre si, mas também entre alunos e professores, ganhou o mundo da tecnologia num fenômeno chamado de cyberbullying. A novidade se espalhou pela rede pública de ensino. Entre entrevistados no diagnóstico encomendado pela Secretaria de Educação, matriculados da 5ª à 8ª série do ensino fundamental e ensino médio, 18,3% afirmaram ter sido xingados pela internet. A invasão de e-mail ocorreu com 13,6% dos alunos e 7,6% foram ameaçados por meio da rede mundial de computadores. De acordo com a psicóloga especialista no tema Ana Maria Albuquerque, do Centro Nacional de Referência em Inclusão Digital (Cenrid) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), o bullying virtual traz sérias conseqüências, como: dificuldades de aprendizagem, transtornos emocionais e depressão. Um dos principais locais virtuais de cyberbullying é o site de relacionamento Orkut. Nele, alunos trocam acusações, xingamentos e marcam brigas. ;A escola deve reconhecer a existência do fenômeno, capacitar professores para lidar com os casos e orientar a família;, explica. Uma aluna de 16 anos do Centro de Ensino Médio 417, de Santa Maria, conta que tem muitos amigos e que as namoradas deles sentem ciúmes dela. ;Como elas não têm coragem de falar na cara, usam o Orkut;, acusa. Ao receber uma mensagem que a chama de ;piranha;, a menina revida e o bate-boca virtual não tem fim. ;Se alguém me xingar eu vou retrucar, ora;, justifica. ;Umas meninas que têm inveja de mim aparecem no meu Orkut para dizer que meu namorado é corno. Não quero confusão, mas do jeito que ando estressada...;, ameaça outra menina de 14 anos, que estuda em Brazlândia. Os professores também são vítimas. De acordo com a pesquisa feita pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, a pedido do governo, 4,7% dos docentes tiveram fotografias divulgadas sem autorização por e-mail. Além disso, 2% dizem ter sido ameaçados por alunos por meio da net e 2,3% foram vítimas de fofocas. (EK e DA) Leia mais sobre violência nas escolas amanhã

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