Cidades

Alto consumo e retirada irregular de água estão esgotando a capacidade de abastecimento

;

postado em 27/10/2008 08:30
A fartura de água foi um dos fatores que determinaram a escolha do local onde seria criado o Distrito Federal, há mais de 60 anos. Rios como o Descoberto e o São Bartolomeu eram enormes reservas que proveriam a água necessária para os candangos na secura do Planalto Central. Mas a população vem crescendo muito mais do que o planejado e, cada vez mais, os recursos hídricos são maltratados pela irresponsabilidade de quem vê na água um bem infinito e quer ter acesso a ela à revelia da legislação que existe para protegê-la. O roubo e desvio de água na capital entram nas contas de prejuízo da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb). Todo mês 700 mil metros cúbicos desaparecem do sistema de abastecimento. O que daria para o consumo de uma cidade inteira como Santa Maria, que tem 100 mil habitantes. Isso agrava o problema que hoje preocupa a Caesb: como garantir o fornecimento de água para a população que vem crescendo em larga escala. A retirada de água para consumo humano, como ocorre no Rio Descoberto e no Ribeirão Pipiripau, já chega perto dos limites aceitáveis, sobretudo na época da seca. ;Com isso, a Caesb já fez estudos de viabilidade para buscar água na barragem de Corumbá IV, que fica em Goiás;, conta o professor de engenharia ambiental e especialista no assunto pela Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Kóibe. ;Talvez seja uma opção para um futuro não muito distante, mas é uma opção cara. Fazer com que a água viaje traz custos adicionais que são repassados à população;, complementa. Os 2,5 milhões de habitantes do DF consomem 14 milhões de metros cúbicos de água todo mês. É muito. Corresponde a um gasto médio de 190 litros por pessoa todos os dias. ;Isso porque há gente gastando pouco. No Plano Piloto e no Lago Sul o número passa de 500 litros;, relata Kóibe. Pirataria confessa O consumo exagerado nas áreas nobres é explicado pelo desperdício, mas também passa pelo crime. Na banca de revistas da 112 Norte, por exemplo, uma torneira fica o dia inteiro conectada à mangueira de um lava a jato que funciona na comercial. A situação é uma festa de irregularidades. Os carros são lavados em estacionamento irregular, construído com brita na área verde da quadra. Os três homens que lavam os carros não têm autorização da administração regional para realizar o serviço e a energia elétrica que move a bomba, assim como a água, é ilegal: vêm da banca. ;O fornecimento de água a terceiros é proibido por decreto. Só quem pode fornecer a água é a concessionária pública, no caso a Caesb;, informa o superintendente de comercialização da companhia, Emerson de Oliveira. ;Quando essa situação é flagrada pela nossa fiscalização, o fornecimento para quem vende pode até ser cortado. Além disso é aplicada uma multa pesada, que começa em R$ 640 e pode chegar a R$ 5 mil, R$ 8 mil. Depende do volume e do tempo que durou a irregularidade;, completa. O responsável pela banca, Flávio Rodrigues de Oliveira, confessou que comete a irregularidade há quase um ano. ;Eles pediram e eu deixei. Cobro R$ 60 por semana.; A conta de água aumentou desde então, de R$ 60, em média, para R$ 240. ;A pessoa que vem medir o consumo para a Caesb já me disse que pode dar multa, mas nunca apareceu fiscal;, conta. Os lavadores agradecem. Um dos ajudantes disse ao Correio que são lavados de oito a dez carros por dia, a preços que variam entre R$ 7 e R$ 14. ;Mas nós compramos a água dele. Diferente de quem enche os baldes de graça;, desculpa-se. 1,2 milhão de litros Combater irregularidades como a dos lava a jato irregulares, presentes sobretudo no Setor Sudoeste, é um esforço do Estado para mudar a cultura da sociedade. Cultura que permite distorções ainda maiores, como a flagrada pelo Correio, na última quinta-feira, no Clube de Golfe. Duas potentes bombas tiram até 1,2 milhão de litros d;água por dia do Lago Paranoá para os gramados do clube. A prática, segundo reconheceu o presidente da entidade, Féres Jáber, ocorre há 40 anos sem licenciamento ambiental. Apenas após a publicação da reportagem o clube foi à sede do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) solicitar a regularização. Independentemente disso, a água seguia sendo puxada na sexta-feira. O Ibram prometeu fiscalizar a situação nos próximos dias e lacrar as bombas. Outros ladrões de água, no entanto, nem buscam a legalização. São donos de caminhões-pipa que enchem tanques de até 20 mil litros em rios e córregos do DF. Reportagens publicadas desde o ano passado mostram que a prática é intensa em locais movimentados, como a Avenida Elmo Serejo, em Taguatinga, o Córrego Vicente Pires, na Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e no Córrego Bananal, há poucos metros do Lago Paranoá, às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA). Ouça entrevista com Emerson de oliveira, superintendente de comercialização da Caesb Números do desperdício # O brasiliense gasta, em média, 190 litros de água por dia. Em locais como o Lago Sul, o consumo ultrapassa os 500 litros diários per capita # A Caesb realiza até nove mil vistorias por mês em busca de fraudes e encontra, em média, 120 # 5% do faturamento da empresa é comprometido pelo roubo de água # São até 700.000 metros cúbicos roubados, o suficiente para abastecer durante 28 dias uma cidade de 100 mil habitantes, como Santa Maria O que diz a lei Quem retira água de rios e córregos está desrespeitando a Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, e está sujeito a detenção de seis meses a um ano, mais multa. Uma resolução da Agência Reguladora de Águas e Saneamento do DF (Adasa) pune ainda, com advertência ou multa, quem utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade sem a respectiva outorga de direito de uso. Fiscais tentam coibir fraude em hidrômetros Daniel Ferreira/CB/D.A Press Funcionário da Caesb mostra um dos hidrômetros adulterados A grande vilã da escassez de água, no entanto, é a expansão ; sobretudo a irregular ; das áreas urbanas. Os poços artesianos em condomínios causam danos aos lençóis freáticos, mas não são o maior mal. ;A urbanização impermeabiliza o solo;, relata Kóibe. ;Com isso a água da chuva não penetra no terreno: cria enxurradas que chegam aos leitos de rios e córregos.; O roubo de água não se resume aos nossos rios. Chega ; e forte ; às torneiras. A Caesb é desfalcada em até 5% do faturamento todo mês por causa das fraudes cometidas pelos usuários. São até 700 mil metros cúbicos que vão pelo ralo sem serem pagos e ainda causam mais prejuízos porque o que vai para o esgoto é tratado também de graça. A água roubada é tanta que daria para abastecer uma cidade de 100 mil habitantes, como Santa Maria, durante 28 dias segundo levantamento da própria Caesb. As fraudes, na grande maioria das vezes, são malfeitas, mas funcionam durante algum tempo e dão trabalho para a fiscalização. Quase sempre é o hidrômetro que sofre alteração para que a conta seja abatida. Em um dos crimes o aparelho é invertido, fazendo com que o relógio gire ao contrário. Outros fraudadores furam o visor e param o contador com arames. Objetos também são inseridos na entrada de água para imobilizar o mecanismo de medição. Alguns chegam a queimar a parte de cima do aparelho. Todas essas alterações podem ser percebidas pelos responsáveis pela medição, mas uma maneira mais elaborada de roubar, a ligação direta na rede, pode durar meses sem ser percebida. Malha fina Para encontrar os ladrões, a Caesb usa um sistema que avisa quando a conta muda drasticamente de padrão. ;É uma malha fina. Se o local costuma gastar, por exemplo, 40 metros cúbicos por mês e, de repente, passa para cinco metro cúbicos, é feita uma vistoria;, relata Emerson de Oliveira, superintendente de comercialização da Caesb. A companhia realiza de oito a nove mil vistorias por mês. ;As fraudes encontradas são, em média, 120 a cada 30 dias;, informa Oliveira. Quando a situação é confirmada, os técnicos pedem a ajuda da polícia civil da cidade para autuar o criminoso. A empresa multa o autor conforme o prejuízo causado, além de cobrar pelo novo hidrômetro. Atualmente os locais mais preocupantes são os condomínios Pôr do Sol e Sol Nascente, em Ceilândia, mas o roubo de água não é uma exclusividade dos locais de baixa renda. Em maio a companhia realizou uma operação na Asa Sul, em conjunto com a Polícia Civil, para autuar pousadas e restaurantes que adulteravam hidrantes. O aparelho era adulterado por uma mesma pessoa, sempre na véspera da leitura do medidor. A maioria dos casos estava nas extintas pousadas das quadras 700, mas restaurantes famosos e uma sauna no Setor Comercial Sul também foram punidos. Eescassez. Cobre dois terços do planeta, mas apenas uma pequena parte está pronta para o consumo: 97,5% dela está nos oceanos e é salgada. Do restante, 2,493% estão nos pólos ou em locais subterrâneos de difícil acesso. A outra parte, 0,007, está à disposição do homem, em rios, lagos e na atmosfera. Fonte: ONG Universidade da Água, de São Paulo .

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação