Cidades

Novo reitor da UnB defende a descentralização da instituição de ensino superior

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postado em 29/10/2008 08:05
Nada de sala fechada com ar-condicionado. É no jardim da faculdade de Direito que José Geraldo de Sousa Júnior se sente melhor para discorrer sobre um novo período que se inicia na Universidade de Brasília (UnB). Para sua oratória, o novo reitor preferiu a concorrência do coral de cigarras ao silêncio de uma reitoria isolada. Ele conhece uma a uma as árvores e plantas do recanto. Inspiração que já rendeu artigo e até uma luta: a permanência do jardineiro que seria demitido. ;Passado e futuro, razão e sensibilidade se encontram nesse jardim onde, como no jardim de Jorge Luis Borges (famoso escritor e poeta argentino), há veredas que se bifurcam para a escolha de novos vários futuros;, descreve ele. Eleito com 52% dos votos da comunidade acadêmica e nomeado há uma semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Geraldo, 61 anos, representa a ruptura de um modelo de gestão na UnB, que se manteve nos últimos 12 anos. ;Quero, sim, politizar a universidade. Isso não significa partidarizar. Acredito que foi exatamente o esvaziamento político do nosso meio acadêmico que levou ao encastelamento da gestão passada.; Com uma história ligada à defesa dos direitos humanos, o novo reitor prega a atuação da instituição nos movimentos sociais. ;A universidade não pode ser autista;, defende. Ex-diretor da faculdade de Direito e atual vice-presidente do núcleo de ensino do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), José Geraldo é um crítico aos modelos de governo que estimulam a terceirização e privatização de serviços ligados à educação, saúde e segurança. ;Nessas áreas, a relação do Estado com a população deve ser de cidadania e não uma relação de prestador de serviço e consumidor.; Em entrevista ao Correio, ele dá o tom do que será sua administração, passando por temas como as denúncias de irregularidades que envolvem a universidade. ;Tenho o compromisso de resgatar os princípios éticos no Cespe e nas fundações.; De volta ao debate político Expansão da UnB A universidade tem de ultrapassar a topografia do Plano Piloto, expandir conhecimento muito além de seus muros. Com o Reuni (programa de restruturação das universidades federais) teremos condições de construir a sede própria no Gama e em Ceilândia. Mas a presença da Faculdade de Direito em Ceilândia já tem bastante tempo. É lá que temos instalado nosso núcleo de práticas jurídicas. Esse projeto de expansão, já consolidado em Planaltina, é de grande importância. Ruptura de gestão A universidade não pode ser autista. Sim, temos de interagir com os movimentos sociais, ela precisa ser agente transformador das estruturas injustas. As decisões devem ser colegiadas e a aplicação de recursos devidamente divulgada, garantindo a transparência dos gastos. E de forma que qualquer pessoa entenda e possa fiscalizar. Na campanha, me criticaram por eu ser ligado a movimentos sociais e que iria politizar a universidade. Sim, é verdade. Quero, sim, politizar, mas no sentido de política acadêmica e não de partido. Vou trazer debates para dentro da UnB. Cotas para negros e PAS É importante termos várias opções de ingresso à universidade. O programa de cotas para negros se manterá fortalecido na minha gestão. O PAS nos permite dialogar com a escolas de ensino médio. São dois projetos referência da UnB que devem ser mantidos como tal. Imóveis O patrimônio é para dar sustentabilidade à UnB. É importante rever a forma de administração dele. E isso já começou com o convênio com a Caixa Econômica Federal, que nos dará orientações nesse setor. Vamos levar adiante a venda dos imóveis. Cobertura do reitor Sobre a cobertura em que morava o ex-reitor Timothy Mulholland, nem sabia que existia. Sabia que ele tinha um apartamento na mesma quadra que eu, o considerava meu vizinho. Fiquei sabendo pelo noticiário. O problema nesse caso é o contraste entre a falta de austeridade nas comprar para o apartamento e a carência que setores da universidade vivem. A revolta se instalou gerada pelo sentimento de injustiça. Me causou perplexidade. E não foi uma decisão solitária, ninguém ali levantou e apontou que aquela compra não era adequada. Cespe É preciso separar a qualidade dos serviços prestados pelo Cespe do desvio de conduta das pessoas que passaram por lá. O órgão tem, sim, capacidade e credibilidade para cumprir os contratos. Estou tranqüilo, porque a gestão pro tempore tomou providências e a atual direção do Cespe eu conheço e sei que tem competência. Por isso, não tenho urgência em fazer mudanças de equipe. Vou pensar com calma. O importante é que não podemos deixar o Cespe ser desmontado pelos erros de gestão passada. Os princípios éticos se farão presentes no órgão, que é muito necessário à universidade e também à sociedade. Fundações Elas não deveriam ser necessárias, nem haver tantas. Mas, pelo que se desenha no futuro, ainda precisaremos delas, sim, porque a universidade sozinha não consegue se manter. Mas elas devem ser mais criteriosamente credenciadas. São necessário ajustes, mas não a extinção. A Finatec, por exemplo, tem um acervo importante. E estaremos juntos com o Ministério Público e a Controladoria-Geral da União enfrentando esse problema. HUB É preciso uma reforma física, que está sendo providenciada. O hospital deve continuar atendendo a carência da população, inserido 100% no Sistema Único de Saúde (SUS). Todas as universidades federais vêm discutindo novas formas de gestão para seus hospitais. E sou contra as propostas de terceirização, privatização. Em se tratando de saúde, educação e segurança o Estado deve manter o controle do serviço ao cidadão. Não se pode transformar essa relação em prestador de serviço e consumidor. Atuação política Não sou filiado a partido algum. Votei no senador Cristovam Buarque, do PDT, para presidente no primeiro turno e no Lula no segundo turno. Me criticaram durante a campanha dizendo que eu iria politizar a universidade. Como sou coordenador do projeto Direito Achado Na Rua, que oferece capacitação jurídica a movimentos populares, como por exemplo o pela fixação do acampamento da TeleBrasília, fazem essas avaliações. O meu exercício jurídico me faz ter trânsito em todos os setores partidários, porque estamos ligados às mobilizações pela liberdade. Aos alunos e professores Não percam a espontaneidade de suas mobilizações, o idealismo. Estou comprometido a criar condições para escutá-los, para a interlocução. Os alunos são a razão de ser da universidade. Eles precisam ser ouvidos e não pode haver tentação repressora ou criminalizadora em seus movimentos de reivindicação. Mesmo quando erram, eles acertam. Com os professores gostaria de resgatar a dimensão ética do ato pedagógico, recuperar a dimensão utópica dos projetos da universidade, a relação afetiva. Aos servidores Os servidores são a correia de transmissão da universidade. Devem ser valorizados com uma política de reconhecimento. Uma forma é investir na capacitação profissional deles, para que possam ascender na carreira. Em vez de buscarmos recursos humanos fora, podemos investir no que já temos.

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