postado em 30/10/2008 08:38
Com quase 101 anos de vida, Oscar Niemeyer mantém o olhar atento à preservação de Brasília. A nova frente de batalha do arquiteto dos monumentos da capital do país é a construção de muretas de concreto na faixa central do Eixão. Em carta enviada ao governador José Roberto Arruda, ele condena a obra que considera ;lamentável, absurda e de mau gosto; e pede uma nova reflexão sobre a proposta. ;Cheguei a pensar em escrever um artigo dizendo que Lucio Costa não merecia tanto desrespeito a seu trabalho de urbanista;, escreveu Niemeyer.
O arquiteto conversou com o Correio ontem, por telefone. Ele acredita que ;este é um assunto que ele (o governador) vai resolver;. E deixou no ar a possibilidade de o governo encontrar uma solução para preservar a vida dos brasilienses que se arriscam ao atravessar o Eixão e, ao mesmo tempo, manter o projeto original de Brasília. ;É possível estudar com mais calma, consultar arquitetos e urbanistas para buscar uma solução diferente, mais sensível, mais pensada, mas não um caminho que divida o Eixo em dois;, argumentou.
Assim que recebeu a carta, Arruda fez um despacho para o secretário de Transportes, Alberto Fraga, e para a administradora de Brasília, Ivelise Longhi. Pediu que os dois assessores encontrem uma solução. ;Lucio Costa e Oscar Niemeyer deram forma ao sonho de JK e de todos os brasileiros. Há que se considerar, portanto, avaliações como esta, e estou certo de que vocês saberão encontrar a medida exata entre a dinâmica da cidade e a preservação do plano original;, escreveu o governador. A intenção do governo era lançar na próxima semana o edital para licitação da obra idealizada como forma de reduzir as mortes no trânsito.
Atropelamentos
No Eixão (Eixo Rodoviário), a violência no trânsito chega a níveis preocupantes. Segundo Alberto Fraga, o maior entusiasta da idéia, 12 a 14 pessoas morrem no local por ano. Além das batidas frontais, a principal preocupação são os atropelamentos. As muretas seriam construídas ao longo de toda a faixa central. Entre os blocos de concreto, um canteiro de plantas espinhosas evitaria que os pedestres cruzassem a pista. O projeto prevê ainda a revitalização das passagens subterrâneas.
A bronca de Niemeyer despertou controvérsia no governo. Amigo do arquiteto, o secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, acha que não há necessidade de muretas no Eixão. ;Se melhorarmos as passagens de pedestres, estaremos sensíveis à dinâmica da capital, sem desfigurar o projeto original de Brasília;, avaliou. Para Ivelise, o ponto de vista do arquiteto não pode ser desconsiderado. ;Vamos ouvir a comunidade, especialistas e defensores da preservação;, afirmou a administradora.
Fraga, no entanto, está irredutível. Ele pretende manter o início da licitação na próxima semana. ;Talvez Oscar Niemeyer não saiba, porque não vive em Brasília. Mas nossa intenção é salvar vidas;, afirmou. De acordo com o secretário, as muretas vão deixar Brasília mais bonita e têm o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O superintendente do Iphan, Alfredo Gastal, foi categórico: ;O governador pode tomar a decisão que quiser, só não pode ultrapassar o limite que condicionamos, que é o de salvar vidas;. Ele acrescentou: ;Quando o Eixão foi projetado, o Brasil não tinha indústria automobilística. Mas temos que pensar na realidade atual;.
Mesmo quem não está por dentro da polêmica tem opinião formada. A doméstica Claudice da Silva Santana, 28 anos, nunca atravessou o Eixão. Ela usa a passarela da 105 Norte duas vezes por dia, pois acha que é melhor do que se arriscar entre os carros. Os amigos Holdine Morgado, 19, e Yasmin Ortiz, 15, ambos estudantes, estranham a idéia de construir muretas no Eixão, mas concordam que, para a população usar somente as passarelas, as condições devem mudar. ;Só com policiamento. Quem entra aqui à noite está pedindo para ser assaltado ou estuprado;, disse Yasmin.