postado em 03/11/2008 08:20
Nem só os estrangeiros se valem da impunidade para cometer infrações a bordo de carros com placas azuis. Motoristas brasileiros também protagonizam abusos no trânsito de Brasília quando dirigem automóveis de embaixadas, consulados e organismos internacionais. Nem mesmo quando são pegos em flagrante e multados por policiais, eles perdem pontos na carteira de habilitação. Tudo graças à falta de registro desses veículos nos órgãos de fiscalização nacional.
Como revelado em reportagem publicada ontem, uma equipe do Correio flagrou 26 carros com placas azuis desrespeitando o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em apenas cinco dias. Em três oportunidades, os jornalistas constataram que os motoristas eram brasileiros. Em duas, os condutores foram abordados por policiais militares e notificados por estacionamento irregular. Mas, segundo o próprio comando do Batalhão de Trânsito (BPTran) da PM, as multas não darão em nada.
O comandante da unidade, tenente-coronel José Ricardo Cintra, explica que a notificação só tem validade se nela constar a identificação do veículo. ;O problema é que os carros de placas azuis estão fora do Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores). Só quem tem o controle deles é o Itamaraty (como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores). Com isso, orientamos nossos policiais a apenas pedir que os infratores tirem o carro da posição irregular, quando abordados;, alega Cintra.
A lei brasileira em vigor desde maio de 1997 diz o seguinte: ;Os veículos automotores pertencentes às missões diplomáticas, repartições consulares e organismos internacionais serão registrados, emplacados e licenciados pelos órgãos de trânsito em conformidade com o Registro Nacional de Veículos Automotores, o Renavam;. Portanto, há 11 anos, os carros de diplomatas devem ter placas como as de qualquer outro veículo, com três letras e quatro números, mas ainda na cor azul.
No aeroporto
Mas não é o que se vê na capital federal. Por todo lado, praticamente só encontramos placas com duas letras. Isso causa problemas às autoridades de trânsito e aos cidadãos que não têm nada a ver com as embaixadas e consulados. É o caso do flagrante feito pelo Correio no começo da noite do último dia 21, na área de embarque do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek. O Toyota Corolla cinza de placa CD 3173 (Corpo Diplomático) ficou parado onde não podia por uma hora, às vistas de três policiais militares.
Um dos PMs não se conteve. Assim que o motorista do carro importado apareceu, o agente do BPTran sacou o talão de multas e o abordou. O policial pediu o documento do condutor para saber a nacionalidade dele. Quando constatou se tratar de um paraibano de 60 anos, preencheu a notificação por estacionamento em local proibido, considerada média pelo CTB. Se a multa fosse computada, o homem perderia quatro pontos na carteira e pagaria R$ 85,13. Mas, segundo o comando do BPTran, isso não ocorrerá por causa da falta de registro do Toyota Corolla que ele dirigia.
No dia seguinte, ainda no aeroporto, o Correio encontrou o Zafira branco de placa CD 884 também estacionado irregularmente na área de embarque. Às 16h46, ele estava parado em frente à placa de ;Vagas exclusivas para viaturas policiais;. O motorista ainda atravessou a fileira de cones colocados ali justamente para evitar esse tipo de infração. Atrás do Zafira, havia apenas dois carros pretos, de fabricação nacional, pertencentes à Polícia Federal. Desta vez, ninguém apareceu para esperar pelo condutor e multá-lo.
Vale lembrar que, assim como os veículos oficiais brasileiros e os das polícias, carros pertencentes a corpo diplomático e organismos internacionais não pagam a tarifa de R$ 3,50 por hora do estacionamento do aeroporto.
No Gilberto Salomão
Outro lugar onde facilmente se vêem os abusos cometidos por motoristas dirigindo carros com placas azuis é o Centro Comercial Gilberto Salomão, na QI 5 do Lago Sul. No último dia 22, pouco depois das 14h, a equipe do jornal encontrou o Volvo 580 T6, placa CMD 086 (Chefe de Missão Diplomática), estacionado em fila dupla ao redor do centro comercial. Ele impedia a saída de três veículos, junto com dois companheiros de infração ; veículos de cor preta, com placas brancas e adesivo do governo federal nas portas dianteiras.
Os motoristas dos dois carros brasileiros, falando em bom português, tiraram os veículos do estacionamento irregular assim que viram o fotógrafo do Correio. O do carro estrangeiro, também com um português claro, não se importou com o flagrante. Só mudou de posição quando o dono de um dos veículos estacionados regularmente apareceu e pediu para sair, às 14h08. O condutor do Volvo deu a partida, andou por 15m e parou novamente de forma ilegal.
Outro motorista brasileiro teve reação diferente, em um flagrante realizado pelo Correio seis dias depois, na comercial da 201 Sul. Às 13h19, os repórteres se depararam com o Santana preto, CMD 074, estacionado em fila dupla. Um homem trajando terno marrom e camisa verde clara posicionou-se em frente à placa para impedir que ela fosse fotografada. Após quatro minutos, desistiu, entrou no carro e foi embora.
Entenda o caso
Imunidade e limites
Diplomatas, representantes consulares e de organismos internacionais ; assim como seus familiares ; possuem imunidade de acordo com a Convenção de Viena de 1961. A regalia acaba se estendendo aos veículos, que nem mesmo registro no Detran têm. Para ter controle sobre os carros estrangeiros oficiais, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) criou a Resolução nº 286. Ela fará valer a lei em vigor desde 1997, que obriga o registro, o emplacamento e o licenciamento desses veículos pelos órgãos de trânsito em conformidade com o Renavam.
A cor azul da placa será mantida, mas os carros diplomáticos terão três letras e quatro números. No lugar do município, será colocado o código correspondente ao órgão de origem. Por exemplo, CMD para os chefes de missão diplomática, CD para missão diplomática, delegações especiais e agentes diplomáticos, e assim por diante. A resolução passa a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2009.
O Correio entrou em contato a assessoria de comunicação do MRE na quarta-feira, pedindo a relação das embaixadas e organizações a que pertencem os carros de placas azuis flagrados pela equipe de reportagem. O MRE não respondeu à reportagem.