postado em 09/11/2008 08:47
As mãos entrelaçadas seguravam forte um terço de madeira. No peito, um colar com uma imagem de Nossa Senhora. Nas orelhas, dois brincos com o nome de Jesus. A empregada doméstica Marineide de Oliveira Bonfim, 24 anos, buscou apoio na fé para enfrentar, ontem à tarde, o momento mais difícil de sua vida. Os olhos cheios de lágrimas acompanhavam atentos cada movimento da maca onde estava a única filha, Ananda Layza Bonfim. Aos 5 anos, a menina teve uma crise hepática fulminante e, em menos de 24 horas, trocou as brincadeiras no parquinho por um leito de UTI. No final da tarde de sábado, foi transferida para São Paulo em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Até o fechamento desta edição, seu estado era grave.
O caso de Ananda e o drama da família Bonfim mobilizaram toda a Secretaria de Saúde. Na sexta-feira, os médicos do Hospital Regional da Asa Sul identificaram a gravidade da situação e já alertaram a cúpula do governo sobre a necessidade de transferir a menina para São Paulo. Começava aí a luta pela sobrevivência de Ananda. O pediatra Felipe Lacerda de Vasconcelos, do Hras, entrou em contato com o secretário de Saúde, Augusto Carvalho, para avisar sobre o caso.
Durante toda a madrugada de ontem, a equipe buscou a melhor forma de levar a paciente até a capital paulista. ;Sabíamos da gravidade e da urgência do caso e tivemos pressa para conseguir a transferência. O governador (José Roberto Arruda) conversou com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e conseguimos a aeronave da FAB, que funciona como UTI;, explicou o secretário de Saúde, Augusto Carvalho, que acompanhou o embarque de Ananda ontem à tarde, na Base Aérea.
O problema de saúde da menina pegou Marineide de surpresa. Na última terça-feira, Ananda chegou a ir à aula, na Escola Classe 115 Norte. Na quarta-feira, começou a passar mal e a apresentar quadro de febre alta. Foi para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran), voltou para casa e na quinta-feira, depois de piorar, recebeu atendimento no Hospital Regional da Asa Sul. Seu quadro se agravou muito rapidamente e os médicos detectaram então que o fígado de Ananda parara de funcionar.
Samu
Diante do quadro de falência hepática, é bem possível que seja necessário submetê-la a um transplante. Brasília não tem unidades especializadas nesse tipo de cirurgia. Os médicos entraram em contato com o Instituto da Criança, em São Paulo, referência para transplantes de fígado pediátricos.
Ontem, às 16h, um carro do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) transferiu Ananda para a Base Aérea de Brasília. O avião da FAB já estava pronto para levá-la a São Paulo. Em estado de choque, a doméstica Marineide Bonfim parecia não acreditar no que estava acontecendo. ;Ela é minha única filha, a Ananda é minha vida. Não quero pensar no pior, mas é horrível ver minha menina nesse estado;, dizia, entre lágrimas.
Há pouco mais de dois anos, a baiana Marineide resolveu batalhar por uma vida melhor e deixou as dificuldades no município de Feira de Santana para tentar a vida na capital. Logo que chegou a Brasília, em julho de 2006, conseguiu emprego como doméstica na casa da família da enfermeira Liliana Pinto Santos, 42 anos. Ananda, que havia ficado com a avó na Bahia, veio dois meses depois. ;Não agüentei de saudades dela. Chorava todos os dias e a minha patroa me disse para trazer a Ananda também;, conta Marineide.
A doméstica passa a semana na casa onde trabalha, na 315 Norte, e aos finais de semana vai visitar a irmã, que mora em Ceilândia. Depois de dois anos de convivência, os patrões de Marineide também se apaixonaram por Ananda. ;Minha mãe não tem netos, trata a menina como se fosse da família. Todos estamos sofrendo muito com a doença dela;, conta Liliana Pinto. Ela não pôde embarcar no avião da FAB junto com Marineide por falta de espaço na aeronave. ;Vou tentar pegar um vôo comercial para acompanhá-la;, diz a enfermeira.
Com os olhos cobertos por gaze e com um balão de respiração artificial sobre o rosto, Ananda em nada lembrava a criança feliz que divertia os amigos e professores na Escola Classe 115 Norte. ;Ela é uma criança carinhosa, feliz. Sempre quis ser médica. Diz sempre que vai estudar para ajudar toda a nossa família;, comenta a mãe da garota.
O secretário-adjunto de Saúde, Florêncio Cavalcante, explica que não existe serviço de transplante pediátrico na cidade porque a demanda é baixa. ;Não justifica mantermos uma unidade na cidade porque há poucos pacientes. Mas sempre que é preciso, encontramos vagas em hospitais especializados em outros estados, como foi o caso de Ananda;, explica Florêncio.
Ainda não há diagnóstico preciso para a doença da menina. O que se sabe até agora é que Ananda teve hepatite, que é uma inflamação no fígado. ;O mais comum em crianças é hepatite do tipo A, que é viral. Normalmente, ela não traz insuficiência hepática grave, como aconteceu com a Ananda. Mas essa é uma das possibilidades. Também pode ser uma hepatite auto-imune, quando as células de defesa do organismo começam a atacar o fígado;, explica o pediatra Felipe Lacerda de Vasconcelos, que cuidou do caso da menina. ;A evolução do caso foi tão rápida que a nossa preocupação não foi o diagnóstico, foi dar suporte à vida dela. No mesmo dia, buscamos a vaga em São Paulo. Lá, os médicos vão investigar o problema e determinar se um transplante será necessário;, acrescentou o médico.