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Conservação Internacional alerta para o desaparecimento de espécies do cerrado

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postado em 10/11/2008 08:14
Um pequenino rato de apenas 14cm, que carrega o nome do fundador de Brasília em sua denominação científica, serve para explicar o que está ocorrendo com a fauna do cerrado. Encontrado à época da construção de Brasília, o Juscelinomys candango nunca mais foi visto, apesar dos esforços feitos pelos pesquisadores. Estudo recente da Conservação Internacional, uma ONG ambientalista, mostra que 191 das 1.325 espécies de vertebrados descritas para o cerrado podem já ter desaparecido. Ou seja, a perda de biodiversidade na savana brasileira alcança 13% do patrimônio total de peixes, anfíbios, répteis, mamíferos e aves da região. Para calcular o prejuízo à biodiversidade, o estudo da Conservação Internacional cruzou o número de espécies conhecidas que vivem no ecossistema com a área total desmatada. O método se baseia na teoria de biogeografia de ilhas, que determina uma relação matemática entre o tamanho de uma área e a riqueza natural que ela abriga. ;Há uma relação previsível entre a área e a quantidade de espécies que nela ocorrem. Simplificando, quanto maior o espaço natural, maior o número de espécies;, explica Mário Barroso, gerente do programa Cerrado-Pantanal da ONG. Segundo estudos feitos pelo Ministério do Meio Ambiente, quase metade da vegetação original de cerrado foi substituída por cidades, pastagens ou lavouras agrícolas. A perda de cerrado espalhada pelas 11 unidades da Federação chega a mais de 100 milhões de hectares, ou 173 vezes o tamanho do Distrito Federal. ;O cerrado é um dos biomas mais pressionados pela ocupação, a destruição dele só perde para a da mata atlântica e a da caatinga;, afirma Fernando Lima, coordenador de projetos da Fundação Pró-Natureza (Funatura). No DF, o percentual de devastação registrado é ainda maior, alcança 63% do território total (veja arte). ;As cidades invadiram as terras rurais e hoje a ocupação vai até a fronteira das áreas protegidas;, comenta Fernando Lima. ;A apropriação da terra se deu de maneira desordenada e ilegal, situação ainda mais prejudicial à natureza;, completa o ambientalista. Ele se refere às invasões de alta e baixa rendas que se intensificaram a partir do final dos anos 1990, como, por exemplo, os condomínios do Jardim Botânico, do Colorado ou a Estrutural e o Itapoã. Endemismo De acordo com as estimativas da Conservação Internacional, 14 anfíbios, 23 répteis, 108 aves e 24 mamíferos já teriam desaparecido do cerrado. O estudo não detalha quais são os animais que não resistiram à pressão humana, mas os pesquisadores acreditam que eles estão entre as espécies que já estavam ameaçadas de extinção. ;Os animais que sumiram provavelmente estão entre os da lista de ameaçados. A fragilidade deles já estava anunciada;, afirma Mário Barroso. No caso do ratinho que não é visto há 48 anos, a hipótese mais provável é que ele tenha ficado sem casa. ;Possivelmente, os ambientes naturais em que ele vivia já não existem mais;, afirma Cristiano Nogueira, especialista em biodiversidade da Conservação Internacional. Por se tratar de uma espécie endêmica ; encontrada apenas na região do DF ;, a extinção dos ratos-candangos é quase certa. ;As espécies endêmicas são as mais afetadas pelas mudanças no habitat. Elas são bastante especializadas, por isso sofrem muito com as alterações;, explica o especialista em biodiversidade. Além do Juscelinomys candango, o DF tem outras duas espécies endêmicas que também correm risco de extinção. São peixes: o Simpsonichthys boitonei, conhecido como pirá-brasília e o Simpsonichthys santanae, sem nome vulgar, mas já descrito pela ciência. O pirá-brasília sobrevive nos cursos de água que cortam a reserva ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o Simpsonichthys santanae foi encontrado na região do Córrego Santana, quase na divisa com Goiás, uma área que era de chácaras, mas vem sendo parcelada por loteamentos. Outras 12 espécies que aparecem na lista das ameaçadas de extinção também correm perigo no DF. Considerado como um dos animais símbolos da cidade, o lobo-guará (Chysocyon brachyurus) é uma delas. Há lobos-guará na Estação Ecológica de Águas Emendadas e no Parque Nacional de Brasília, mas, como a pressão urbana sobre essas unidades aumentou nos últimos anos, os especialistas acreditam que a população brasiliense do mamífero está diminuindo. ;Os lobos-guará estão sofrendo concorrência até de cães domésticos;, informa Mário Barroso. Também têm sido vítimas de atropelamentos, pois o fluxo de veículos é intenso nas rodovias que passam em frente às áreas protegidas. Os ameaçados Grupo espécie - nome popular Aves Alectrurus tricolor - galito Aves Coryphaspiza melanotis - tico-tico do campo Aves Culicivora caudacuta - maria do campo Aves Harpyhaliaetus coronatus - águia cinzenta Aves Nothura minor - codorninha buraque Aves Taoniscus nanus inhambu - carapé Mamíferos Chrysocyon branchyurus - lobo guará Mamíferos Juscelinomys candango - rato candango Mamíferos Kunsia fronto - rato-do-mato Mamíferos Lonchophylla dekeyseri - morceguinho do cerrado Mamíferos Priodontes maximus - tatu canastra Mamíferos Puma concolor - onça parda Mamíferos Tapirus terrestris - anta Peixes Simpsonichthys boitonei - pirá-brasília Peixes Simpsonichthys santanae - sem nome popular Áreas de conservação O estudo da Conservação Internacional acrescenta que se a atual legislação for mantida o cerrado perderá quase um quarto das espécies. O Código Florestal de 1965 prevê que os fazendeiros reservem 20% das propriedades rurais para a vegetação nativa e que o poder público separe 5% de suas terras para áreas de conservação. Mas, de acordo com a ONG, este percentual não é suficiente para garantir a sobrevivência das 1.325 espécies de peixes, anfíbios, répteis, mamíferos e aves. Na hipótese de a ocupação antrópica (realizada pelo homem) avançar até o limite estabelecido em lei ; ou seja, chegar a 75%, a perda calculada é de 315 espécies, sendo 27 anfíbios, 43 répteis, 200 aves e 45 mamíferos. Para evitar isso, os ambientalistas propõem a ampliação das áreas de proteção existentes e a criação de reservas. ;É preciso traçar estratégias de gestão integrada. Além das áreas federais, os governos locais também devem criar parques e estações ecológicas;, defende Fernando Lima, da Funatura. Outra recomendação dos ambientalistas é que os terrenos no entorno das áreas de proteção ambiental sejam fiscalizados. O uso desses espaços precisa ser melhor controlado para evitar atividades que causem impacto à fauna e à flora das áreas protegidas. No DF, as três grandes áreas de proteção ambiental estão cercadas pelas cidades ou por fazendas. Os corredores ecológicos ; estradas naturais por onde os bichos transitam em busca de comida ou parceiros, que fazem a ligação entre elas também ; estão bastante degradados. ;A sociedade civil deve participar mais deste processo, ela tem de entender que um parque significa qualidade de vida para a população;, afirma Fernando Lima, da Funatura. (EM) O número PRESERVAÇÃO 20% da área das propriedades rurais devem manter a vegetação nativa

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