Jornal Correio Braziliense

Cidades

Nova tentativa de legalizar igrejas

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É mais fácil um camelo passar pelo furo de uma agulha do que um deputado distrital se abster de apresentar emendas para regularizar lotes. Se, pelo menos, os parlamentares ficassem restritos aos templos religiosos, mas não. Incluíram no projeto de lei para legalizar a ocupação de áreas públicas por igrejas até apartamentos no Sudoeste. O milagre da multiplicação de emendas à proposta do Governo do Distrito Federal (GDF), onde foi identificado um festival de irregularidades, fez com que o texto retornasse ao Executivo. A Terracap acaba de concluir o trabalho de peneiragem das emendas e a conclusão é: dos 2,3 mil pedidos de regularização, apenas 500 num primeiro momento são passíveis de ser realizados. É o que estará na nova versão do projeto a ser encaminhado na próxima semana à Câmara Legislativa. O Projeto de Lei Complementar 65/2008, enviado em fevereiro passado pelo GDF à Câmara Legislativa, pretendia resolver uma pendência que se arrasta há 20 anos. Previa regularizar apenas terrenos que estivessem edificados até a data-limite de 31 de dezembro de 2006. Eram 1.282 lotes ocupados por igrejas e 15 por entidades assistenciais. Depois de aprovada, a lei mudaria a destinação dos lotes, admitindo o uso institucional e religioso, e daria à Terracap permissão para vender as áreas por licitação ou transferi-las por meio de direito real de uso. Quem já estivesse no local teria direito de preferência e poderia comprar os terrenos por um preço 80% abaixo do valor de mercado. Mas, durante a tramitação do PLC, os deputados fizeram um projeto substitutivo que adicionava um artigo à proposta. O novo texto permitia que lotes vazios fossem incluídos na lista, desde que a entidade já tivesse recebido autorização para ocupá-lo. A alteração foi o suficiente para descaracterizar o projeto original do GDF. Os distritais aproveitaram para incluir mais de 1 mil lotes vazios que poderiam ser vendidos pela Terracap a preços mais baratos. Cerca de 600 emendas submarinas ; como chamam aquelas que passam sem discussão, de forma disfarçada ; foram enxertadas no projeto. Os distritais incluíram lotes vazios, terrenos ocupados por estabelecimentos comerciais, por associações de ginástica, entre outros. Em junho, o GDF retirou o projeto de tramitação para readequá-lo. O governador José Roberto Arruda pediu pressa para resolver o problema. Representantes de igrejas e das comunidades inicialmente beneficiadas pressionam pela solução e lamentam que os deputados tenham, com as emendas, dificultado a aprovação do projeto. ;Realizamos um pente-fino nas emendas. Foi um trabalho de campo. Identificamos todos os endereços, fotografamos, para desta vez não haver dúvida alguma sobre o que realmente pode ser regularizado e o que não;, explicou o presidente da Terracap, Antônio Gomes. O governo conversou com os deputados e acredita que os convenceu a não transformar novamente o projeto num texto ;frankenstein;. Os detalhes do novo projeto estão sendo ajustados na Casa Civil para que seja submetido à análise da Procuradoria do DF e siga para a Câmara Legislativa até a próxima semana. Flagrante Em julho, o Correio teve acesso às emendas e denunciou o desvirtuamento do projeto, com propostas eleitoreiras dos distritais, que ignorando as exigências legais pegaram carona na proposta de lei. O PLC teve de ser dividido em cinco volumes por causa da quantidade de alterações. A reportagem identificou 48 endereços suspeitos em Ceilândia, Taguatinga, Riacho Fundo, Recanto das Emas, Candangolândia e Lago Norte, entre outras regiões. E 75% dos locais visitados eram lotes vazios em meio a áreas comerciais e residenciais vizinhas a igrejas. Quando as emendas submarinas foram identificadas, a votação em segundo turno acabou anulada. Elas foram descobertas depois que o projeto havia sido aprovado, no momento em que os técnicos da Câmara faziam a redação final da lei. Quando o deputado Paulo Roriz (DEM), então presidente da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), fez o relatório para orientar a votação no segundo turno, foi alertado por assessores da existência de pelo menos 20 emendas que não haviam sido discutidas pelos parlamentares. Numa primeira vistoria, a equipa da COF identificou 11 terrenos em desacordo com a proposta original. Entre eles, um lote de 10 mil metros quadrados na área do futuro Setor Noroeste e lotes vazios na Avenida L2 Sul, em frente à faculdade Euro-Americana. entenda o caso Votação anulada Em fevereiro deste ano, o GDF enviou à Câmara Legislativa projeto de lei para regularizar a ocupação de áreas públicas por igrejas, templos religiosos e entidades assistenciais. Cerca de 1,2 mil lotes teriam o uso legalizado. A Terracap poderia licitá-los e conceder direito de preferência aos atuais ocupantes, desde que atendessem aos pré-requisitos, como a edificação ter sido feita até 31 de dezembro de 2006 Os deputados distritais, no entanto, alteraram o projeto. Incluíram artigo que permitia também a regularização de lotes vazios que poderiam vir a ser ocupados por igrejas. E incluíram cerca de 600 emendas com milhares de endereços para também serem regularizados. O projeto foi aprovado em segundo turno, mas depois a sessão teve de ser anulada. Técnicos da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) da Câmara Legislativa descobriram a existência de emendas irregulares. Diante do desvirtuamento do texto original, o GDF retirou em junho o projeto para elaborar uma nova versão, depois que fossem garimpadas as emendas irregulares. A Terracap realizou o levantamento de área por área para identificar quais podem realmente ser regularizadas. O trabalho acaba de ser concluído e a ainda nesta semana a nova versão do projeto será encaminhada à Câmara Legislativa.