postado em 13/11/2008 08:12
O subsecretário de Transportes, Délio Cardoso, é acusado de se beneficiar de serviços prestados ao Departamento de Trânsito (Detran) do Distrito Federal. Quando era diretor-geral do órgão, foi firmado convênio sem licitação ; ainda em vigor ; destinado ao pagamento das filmagens das blitzes realizadas pelos agentes nas ruas da capital e ;ações políticas da direção-geral;. Desde então, pelos registros das atividades dos fiscais e das autoridades, a JT Produções recebe R$ 432 mil anuais. Mas ela aluga mão-de-obra e equipamentos da AUX 3, empresa pertencente a Délio, para realizar o trabalho.
Délio Cardoso assumiu o Detran em janeiro de 2007 e saiu em abril de 2008. A partir de 8 de maio de 2007, o órgão passou a ter as blitzes registradas por meio de contrato assinado com a JT. A firma é de propriedade de Júlio César de Andrade. Ele é irmão de Editácio Vieira de Andrade, mais conhecido como Dimba, jogador de futebol que atuou pelo Flamengo, Goiás, Gama e, até setembro, Brasiliense. Em sua carreira futebolística, Dimba contou com os serviços de Délio Cardoso, que também é advogado. Atualmente, os dois são sócios da AUX 3, a produtora de vídeo que filma as operações de fiscalização do Detran.
No contrato social da AUX 3, Dimba tem 90% da empresa e Délio, 10%. O subsecretário confirmou a sociedade, mas disse que se licenciou da firma em dezembro de 2006, antes de assumir o Detran. ;O Dimba é quem decide tudo;, afirmou. Délio também reconheceu ter assinado o convênio para filmagem das blitzes. No entanto, negou qualquer irregularidade. ;A AUX 3 loca equipamentos para o Detran como loca para várias empresas. Isso é comum nesse tipo de atividade. Agora, se o dono da JT é irmão do Dimba, eu nem sabia disso;, afirmou.
Délio também disse que não há ilegalidade nos serviços prestados pela JT com ajuda da AUX 3 porque não há dinheiro público envolvido. ;O pagamento à JT é feito por meio de um instituto, como uma doação. O Detran é o grande beneficiário disso tudo, pois o material (as imagens) serve para o treinamento dos agentes;, ponderou. O instituto em questão é o Instituto de Registro de Títulos de Documentos e Pessoas Jurídicas do DF. Ele representa os cartórios da capital, que, por sua vez, ganham dinheiro com serviços e taxas do Detran, como transferência de propriedade de carros.
Na última segunda-feira, Délio Cardoso demitiu-se do cargo. O secretário de Transportes, Alberto Fraga, confirmou ontem ao Correio a demissão. ;Pedi a Délio que pensasse com calma, mas ele estava decidido, por isso aceitei;, comentou Fraga. À reportagem, Cardoso disse não ter mais o que fazer no governo. ;A Companhia Metropolitana de Trânsito (CMT) está criada, a licitação para inspeção de gases poluentes está na rua e concluí o projeto do Trânsito Inteligente;, citou. Cardoso diz que sai com o sentimento de dever cumprido e sem frustrações.
Contrapartida social
O pagamento dos serviços de filmagens das blitzes, segundo Délio, funcionaria como uma ;contrapartida social; dos cartórios. Por isso, ele não viu problemas em renovar o convênio que beneficia a JT e, conseqüentemente, a AUX 3, em 6 de dezembro de 2007, quando ainda era diretor-geral do Detran. O contrato vale até 31 de dezembro próximo. Pelos serviços prestados, a JT ganha R$ 36 mil mensais, pagos em dia pelo instituto dos cartórios. O atual diretor do Detran, coronel Jair Tedeschi, vê benefícios nas imagens das blitzes, mas não deve renovar o convênio por causa das atuais suspeitas.
Tedeschi demonstrou surpresa ao saber das relações de parentesco dos donos da AUX 3 e da JT. ;Diante dessa informação, uma novidade para mim, fica difícil renovarmos tal convênio;, ressaltou. Ele disse que o trabalho é bom para o Detran porque funciona como uma proteção aos agentes. ;A presença de uma câmera evita a ;carteirada; por parte dos infratores e acusações de abuso de poder contra os fiscais, por exemplo;, observou Tedeschi. Ele fez questão de garantir que nunca teve reuniões ou qualquer atividade filmada pela JT ou qualquer outra produtora de vídeo. ;Até porque não sou candidato a nada;, completou.
Já Délio usou a justificativa de proteger os agentes de trânsito e a lei seca para explicar a utilidade das filmagens das operações nas ruas. ;As blitzes começaram a ser filmadas quando começamos a ter problemas com ;carteiradas; durante as operações da lei seca;, afirmou. O convênio, porém, foi assinado em 8 de maio de 2007, segundo a assessoria de comunicação do Detran. A data coincide com a criação da JT. Mas a lei que pune com rigor os motoristas flagrados alcoolizados entrou em vigor mais de um ano depois, em 20 de junho de 2008. Délio não comentou por que o contrato com a JT previa o registro das ;ações políticas da direção-geral;. Ele foi candidato a deputado distrital em 2002 e em 1998. Em ambas, foi processado pelo Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT) por publicidade irregular e acabou derrotado nas urnas.
O contrato para filmagem das blitzes é investigado pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), MPDFT e Polícia Civil. ;Por achar que havia evidências, pedi a abertura de um processo no Tribunal e no Ministério Público. À polícia, pedi para ver se há crime. Mas essas apurações estão no início;, ressaltou o conselheiro Renato Rainha, do TCDF. O Correio teve acesso à mesma documentação em poder de Rainha, da polícia e do MP. São cópias de contratos, cadastros e notas fiscais (veja fac-símile), além de fotografias da equipe de filmagem em ações do Detran. Ninguém do MP quis dar entrevista sobre o caso, assim como Dimba e o irmão dele.
Proveito próprio
Délio Cardoso deixou a direção-geral do Detran em abril, quando assumiu uma assessoria na Secretaria de Transportes, com a missão de cuidar do projeto da Companhia Metropolitana de Trânsito. Ainda quando estava à frente do Detran, ele causou irritação no governador José Roberto Arruda ao usar a própria voz para recepcionar quem ligava para o telefone 154 do Detran. Arruda proibiu secretários, administradores e diretores de empresas públicas de se aproveitarem do cargo que ocupam e da estrutura do GDF para fazer divulgação do próprio nome.
Em sua gestão, o ex-diretor também enfrentou problemas relacionados a diretores do departamento e multas pessoais. Em janeiro de 2008, a Corregedoria do Distrito Federal apurou denúncia de que Délio e dois dirigentes do Detran teriam ultrapassado 20 pontos na carteira de motorista, máximo permitido pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Os dois diretores acabaram nos bancos da escolinha de trânsito. Délio Cardoso escapou, apesar de ter sido flagrado por radares cometendo 42 infrações nos últimos 10 anos, a maioria por excesso de velocidade ; cinco delas são consideradas graves e a lei inclui entre as penalidades a suspensão do direito de dirigir. Sobre os desgastes ao longo de sua gestão no governo, Délio Cardoso atribuiu a saída à ;dificuldade da missão; que lhe foi entregue.