Cidades

Crime é herança da família ausente, diz estudioso

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postado em 13/11/2008 08:13
Antes de serem cruéis e perigosos, Coração Gelado e os quatro amigos são doentes. A análise é do sociólogo da Sociedade Brasileira de Psicopedagogia Aristides Moisés. ;A sociedade precisa dar um mergulho e descobrir as raízes por trás de tanta violência;, comenta. Para o promotor de infância e juventude do Ministério Público do Distrito Federal Renato Varaldo, uma das explicações está justamente no ambiente familiar. ;Esses jovens são criados apenas pelas mães, que são obrigadas a passar o dia inteiro fora trabalhando como domésticas ou serventes;, afirma. Não por coincidência, os pais dos cinco amigos de Santa Maria são ausentes. Para piorar, estão envolvidos na criminalidade. ;O pai do ;Perigoso; é um traficante perigoso;, comenta um funcionário da escola. ;E a mãe chama o menino de demônio;, completa uma vizinha do Condomínio Porto Rico. O pai de Mateus*, de 13 anos, batia na mãe e o de Lucas* ;só não roubou trem e avião;, segundo o próprio garoto. ;Até jet ski e ônibus ele já levou para casa.; De acordo com Renato Varaldo, seria fundamental ter no Brasil a rotina de responsabilizar os pais. Os artigos 244, 246 e 247 do Código Penal responsabilizam pais e responsáveis pelo abandono material, intelectual e moral, respectivamente. ;O Ministério Público tinha que agir mais nesse sentido. Vivemos num país que não pune os adultos que permitem que os filhos entrem nessa espiral de violência;, argumenta. Para Varalda, outro problema está relacionado ao ambiente em que os meninos vivem. ;Eles são retirados de lá para centros de atendimento juvenil ou para tratamento contra a dependência, mas quando voltam o ambiente é o mesmo, continua doentio.; Moisés completa: ;Antes de ser cruel, esses meninos estão doentes. Vamos acordar, sociedade! Se com 12 anos a violência é desse jeito, imagina quando ficar mais velho.; Isso se os cinco chegarem a envelhecer. ;O que mais se perde é amigo nesta vida;, lamenta Lucas. Há dois meses, foi o Vingador que levou 15 tiros. Na ocasião, ele já estava em uma cadeira de rodas depois de ser vítima de um tiroteio. ;O véio morreu e eu nem acreditei. Ele era muito sangue bom;, afirma. O próprio Lucas, um dos poucos do grupo que está solto, conta sete juras de morte. ;Querem minha cabeça nas quadras 207, 302 e 309.; Nesta última, ele nem pisa. Mesmo durante o dia. Os traficantes, adultos ou adolescentes como ele, não perdoarão se ele invadir o território. Despachantes do tráfico ;Vendo mais rupinol (Rohypnol) e maconha;, oferece um dos cinco amigos, com 15 anos, à reportagem do Correio. ;O crack e a cocaína chegam muito diluídos aqui. A lombra (viagem da droga) não é boa. Mas se você quiser, tenho lá em casa um pó puro mesmo. Veio direto da Colômbia, mas não dá para cheirar muito porque ele é overdose na certa.; Os meninos vendem drogas na escola e na rua, principalmente nas quadras 304 e 308 de Santa Maria. Vende-se de tudo, menos LSD e ecstasy. O comércio das duas drogas é investigado constantemente pela Polícia Federal e, por isso, é considerado ;sujeira;. O trabalho deles é separar em papelotes e passar adiante para os usuários. Em uma festa, um comprimido de rupinol pode valer R$ 4. O remédio, que existe nas cores azul, branco e amarelo, para tratamento de doenças psicológicas, é uma febre entre os jovens de baixa renda porque é muito barato. Dá uma sensação de dormência no corpo, mas deixa a mente ligada. Na sala de aula, dois comprimidos custam R$ 1. Davi*, de 13 anos, estuda no Centro de Ensino Fundamental 308 e, na última terça-feira, estava com a língua azul e cheiro de álcool. O relógio não marcava nem meio-dia e ele já sofria o efeito das drogas. ;Não foi rupinol, não. Chupei um pirulito azul;, tentou explicar com voz arrastada. Ele é um dos usuários abastecidos pelos amigos de Santa Maria. Além de dinheiro, a venda das drogas rende status. Vandinho, de 15 anos, o mais velho dos cinco, gosta do sucesso que o tráfico traz entre as garotas. Tanto que abusa da sorte só para aparecer para colegas e vizinhos. Há dois meses, durante um evento da Secretaria de Segurança na escola, resolveu enrolar um cigarro de maconha encostado no carro do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Só não foi preso porque as professoras intervieram. Mas não escapou de apanhar. ;Ele levou um soco no estômago tão forte que doeu em mim;, conta uma docente. Ela pediu para não ser identificada. Logo depois do murro do policial, ele levantou como se não tivesse ocorrido nada. ;Saiu tirando onda. Em casa, o menino deve ter chorado de dor;, completa a professora. Para responder ao tráfico nas escolas, o Batalhão Escolar faz revistas constantes e mantem informantes dentro do perímetro do colégio para fazer levantamentos. ;É comum fazer varredura, abrindo, inclusive, as mochilas e olhando os bonés;, explica o capitão Antônio Viegas, da 5ª Companhia do Batalhão Escolar ; responsável pelo Gama, Santa Maria e Recanto das Emas.

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