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Pilotos que usam o aeroclube de Brasília terão que encontrar novo endereço

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postado em 25/11/2008 07:50
Escondido na área verde do camping de Brasília, o aeroclube próximo ao autódromo foi inaugurado em 1982, mas até hoje há quem se surpreenda quando olha para o céu e vê ultraleves voando baixo. A permanência do miniaeroporto naquele espaço, no entanto, está ameaçada pelo futuro Setor Noroeste. O governo, dono do lote, defende que a pista seja desativada por questão de segurança. Os pilotos alegam que não há necessidade e sugerem transformar o local em ponto turístico. A negociação com a Associação de Pilotos de Ultraleve de Brasília (Apub) se intensificou no ano passado, quando foi discutida a transferência do aeroclube para um terreno em Sobradinho. O plano foi abortado por questões jurídicas, mas não esquecido, segundo o gerente do projeto do Parque Burle Marx, Ênio Dutra. ;Eles dizem que os sobrevôos são seguros, mas ainda tenho essa preocupação em relação à proximidade, comentou Dutra, que estima a mudança de lugar da pista em, no máximo, três anos. ;De forma alguma somos contra os ultraleves, mas teremos um setor habitacional logo ali. Eles sabem que a mudança também será melhor para eles;, destacou a gerente do projeto do Setor Noroeste, Carmen Carmona. De acordo com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), dona do terreno, o surgimento do Setor Noroeste inviabilizará a permanência do aeroclube onde está. Mas não há pressa. O novo bairro, na previsão mais otimista, só deve começar a se concretizar em cinco anos. Até lá, o governo não pretende apressar a transferência. A assessoria do governador José Roberto Arruda informou que da parte dele não há decisão tomada. Talvez por isso o presidente da Apub, o advogado Everardo Ribeiro, 54, não acredite na mudança. É só fumaça, especulação. Não tem por que sair dali, disse o piloto. Não precisaremos convencer ninguém disso. Se ocorrer a transferência, será uma perda para Brasília. O governo tem que despertar e ver que o aeroclube pode ser uma importante atração turística, completou. Uma idéia para isso é permitir que os pousos e decolagens dos ultraleves sejam acompanhados de perto. ;Mas entre as duas possibilidades, a de transferência é a mais provável até aqui;, insistiu o gerente do projeto do parque Burle Marx, Ênio Dutra. O sítio de vôo, devidamente registrado na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), fica dentro do Parque Burle Marx, em terreno cedido pela extinta Secretaria de Turismo. Antes disso, os vôos partiam do autódromo, opção encerrada quando Nelson Piquet assumiu o comando da pista, no início dos anos 1980. Atualmente a Apub tem cerca de 600 sócios e 100 aeronaves nos hangares. Em média, 20 ultraleves levantam vôo diariamente. As rotas incluem sobrevôos por parte da Asa Norte, do Parque Burle Marx e do futuro Setor Noroeste. A Apub sustenta que o número de acidentes envolvendo associados é muito pequeno, mas o presidente, Everardo Ribeiro, evita precisar quantos ocorreram desde a criação do aeroclube. De vez em quando a gente vê acidentes. Mas é como estar andando e tropeçar, pode acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar, comparou. O último acidente ocorreu em outubro deste ano (leia ao lado). Quem voa ali desde o início sempre soube que não há a menor possibilidade de se manter um aeródromo no centro da cidade, comentou o servidor público Ronaldo Oliveira, 47 anos, ex-presidente do extinto Brasília Ultraleve Clube (BUC). Ali é uma pista onde não se pode errar. Tem que dar tudo certo, completou Oliveira, que acumula mais de 7 mil horas de vôo. O controle aéreo do tráfego de ultraleves é feito pelos próprios pilotos, a partir do contato visual. O presidente da Apub disse que a associação segue as normas internacionais da aviação experimental e que as aeronaves possuem rádio de comunicação. Tudo o que voa gera riscos, não vejo problema em a Apub continuar ali, opinou o engenheiro civil e piloto de ultraleve João Lino, 55 anos. Pilotos ouvidos pelo Correio enfatizaram que eventuais problemas não se devem ao fato de a pista estar no meio da cidade. Pane na decolagem é perigoso em qualquer lugar. Para qualquer lugar que transferirem a Apub, o risco continuará igual, argumentou o empresário Flávio Nogueira, 43 anos, que voa há um ano. A gente nunca sabe o que pode acontecer, mas já existe a consciência de evitar sobrevoar áreas habitadas, comentou o servidor público Alexandre Curado, 46 anos, sócio da Apub desde 1995. Há pelo menos outras duas pistas de ultraleves no Brasil que operam no meio da cidade: a de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e o Campo de Marte, em São Paulo. Todos os aeroportos acabam sendo engolidos pelas cidades. No mundo inteiro é assim, destacou o presidente da Associação Brasileira de Ultraleves (Abul), Gustavo Albrecht, que mora no Rio de Janeiro, mas conhece a pista de Brasília. Convivência harmoniosa As pistas de pouso e decolagem dos helicópteros do Corpo de Bombeiros, do Departamento de Trânsito (Detran), da Polícia Civil e mesmo o que transporta o governador José Roberto Arruda ficam bem perto do aeroclube de Brasília (veja arte). Nos fins de tarde é possível ver ultraleves e helicópteros voando próximos, convivência que já garantiu muitos sustos. ;Os pilotos de ultraleves eram meio perdidos e voavam nossa área;, contou um comandante que preferiu não ser identificado. Nunca, porém, foi registrado acidente envolvendo helicópteros e ultraleves. ;Existe um risco natural. Mas no início eles (os comandantes) eram muito mais preocupados", disse o piloto de ultraleve Alexandre Curado, 46 anos. Comandantes e sócios da Apub ouvidos pela reportagem garantem que a boa relação entre eles e a comunicação eficiente elimina hoje qualquer risco de colisão no ar, mesmo com ultraleves voando a até 300 km/h. No entanto, eles não são unânimes em defender a permanência do aeroclube próximo ao autódromo. ;A coisa está desproporcional e já não é tão experimental assim. Uma área livre seria até melhor para eles;, comentou Antônio Carlos Ribeiro, 43 anos, comandante da Polícia Civil desde 1992. ;Temos uma ótima comunicação, mas a presença constante deles e às vezes até em grande número aumenta o risco de um eventual acidente", confessou Ribeiro. Ultraleves e helicópteros voam em alturas diferentes. E em áreas diferentes. ;O que pode ocorrer é um ou outro desavisado fazer uma manobra errada e sobrevoar a nossa área;, afirmou o coronel André Raposo, comandante do Corpo de Bombeiros. E foi o que ocorreu duas vezes de 2000 para cá. No momento do descuido dos pilotos, não havia helicópteros em operação. Mesmo assim, a corporação resolveu encaminhar um relatório para a Apub alertando sobre as situações. ;Em um dos casos era um piloto que não era daquele clube e desconhecia a região;, lembrou Raposo. Os comandantes ressaltaram que uma provável transferência de lugar do aeroclube não mudaria a rotina deles. Mas dizem que só podem afirmar isso porque tiveram de se adaptar à presença dos ultraleves. A relação entre eles é muito boa e a pista do aeroclube é usada para treinamentos. ;O problema é que está no meio da cidade. Não há perigo de colisão, mas com o Setor Noroeste vai ficar complicado. Se tiver pane, não terá muito para onde ir;, comentou o comandante do Detran, Ricardo Timóteo. Memória 27 de outubro de 2008 Duas pessoas ficaram feridas durante um pouso mal-sucedido. O piloto disse que houve falha no motor e os freios não foram acionados. Segundo a Apub, uma forte corrente de ventos causou o acidente. 20 de novembro de 2006 Um ultraleve caiu sobre uma estrutura de metal no Setor de Áreas Isoladas Norte. O piloto sofreu escoriações. A aeronave caiu a poucos metros de uma obra, onde homens trabalhavam no momento do acidente. 26 de junho de 2006 O ultraleve pilotado por Ricardo Salzano, 36, capotou na pista da Apub, no fim da tarde, enquanto pousava. A aeronave já havia tocado o solo quando um forte vento virou o aparelho. O piloto bateu a cabeça no painel e teve um corte na testa. 23 de junho de 2005 Dois feridos depois de um acidente de ultraleve provocado por pane no motor. A aeronave caiu na área do camping. O piloto quebrou o tornozelo e sofreu fratura na perna. O pasageiro teve fratura exposta na perna esquerda e um corte profundo na cabeça. 2 de julho de 2005 O arquiteto Dam Martins, 26, e o engenheiro Samuel Brito, 27, morreram depois que asa-delta motorizada em que estavam caiu no Lago Paranoá e afundou. Eles levantaram vôo do extinto Brasília Ultraleve Clube (BUC), que funcionava clandestinamente às margens do Lago Paranoá

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