Cidades

Menino com doença degenerativa conta superação e história de vida em livro

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postado em 11/12/2008 08:43
É essa a história do menino que desafiou terríveis probabilidades médicas
Sem os movimentos dos braços, ele escreveu a vida com a boca. Sem mover as pernas, sonha todos os dias que corre e anda de bicicleta. Sonha que empina pipa e voa junto com ela. Sonha o que quiser, como quiser. Quando não mais havia razão para ser feliz, ele dá uma lição na cara de quem pensa o contrário: ;Felicidade pra mim é poder acreditar que tudo pode ser melhor do que é;. A vida escrita com a boca virou livro de verdade. Tem até nome: Minha vida em rodas me faz capaz de voar e sonhar. Vai ter tarde e noite de lançamento. E ele dará, com a caneta na boca, todos os autógrafos para quem ali estiver e for capaz de presenciar como se renasce todos os dias. Esta é a comovente história de Jeferson Ramos da Cruz, de 13 anos, contada com exclusividade pelo Correio em 24 de abril deste ano. Nela, a luta do menino contra o preconceito, as dificuldades financeiras da família e as privações que passara pela quase total limitação física. Ele é portador de artrogripose múltipla ; doença congênita caracterizada por várias deformidades rígidas nas articulações. Jeferson nunca andou. Nunca empinou pipa, nunca levou um tombo de bicicleta, nunca escovou os próprios dentes, nunca brincou de polícia e ladrão, nunca penteou os cabelos ou lhes passou gel, para que ficassem modelados e fixos, como gosta. Nunca amarrou os sapatos. Mas a despeito de tudo isso é feliz. E a felicidade se escancara no sorriso sincero do filho de um pedreiro e de uma dona-de-casa. A reportagem sobre a vida de Jeferson comoveu Brasília. E a ajuda veio de todos os lados. Ele ganhou computador, material de construção para reformar a casa com chão de cimento vermelho, no Vale do Amanhecer, em Planaltina. E os rascunhos de sua vida viraram o livro com o qual tanto sonhou. A Editora Thesaurus e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) entraram na luta em favor do menino. Juntos, bancaram a obra. O livro, com mil exemplares e 48 páginas, recheadas de texto e desenhos, está pronto. Na capa, o desenho de menino feito por Jeferson. Há um sol, uma árvore cheia de frutos, uma casa simples, um menino sentado numa cadeira de rodas e outro empinando pipa. Quem é o menino que empina pipa? ;É meu irmão mais novo. Eu fico olhando ele, sentado na cadeira;, explica o autor da obra. Num dos trechos do livro, a confissão da felicidade: ;Sou um menino muito feliz. Eu não ando, mas me arrasto. Eu não levanto meus braços, mas Deus me deu o dom de escrever com a boca. Meu Deus, meu anjinho, como o Senhor é bom!” É essa a história do menino que desafiou terríveis probabilidades médicas. Quando nasceu, em Barreiras (BA), uma semana depois do parto, a mãe procurou o melhor pediatra da cidade. Pagou-lhe o que não podia para ouvir algum alento. O médico, sem a menor sensibilidade, disse à mãe do bebê: ;Essa criança tem problema no corpo inteiro. Não vai viver muito. Como vão criar um menino assim?; Entre lágrimas e desespero, a mãe saiu daquele consultório carregando o filho nos braços. Carrega até hoje, 13 anos depois. E nunca dele desistiu. À procura de esperança O pedreiro Gilmar, então com 21 anos, e a dona-de-casa Cleide, da mesma idade, decidiram que Barreiras não lhes cabia mais. Viajaram, sem conhecer ninguém, a Brasília. Vieram em busca de tratamento. Jeferson contava 20 dias de nascido. Aqui, conseguiram uma vaga no Hospital Sarah. E o bebê começou a luta pela vida. A mãe jurou que o filho teria, no que dependesse dela, uma vida normal. Aos 4 anos, Jeferson foi à escola. Todos os dias, Cleide o carregava nos braços, até conseguir comprar a primeira cadeira de rodas. Na escola, o menino que não mexia braços e pernas conheceu a professora de educação física Crislei Maria de Morais, hoje com 35 anos. Ela dava aulas a meninos e meninas com necessidades especiais. No meio dele, Jeferson. ;Ele se arrastava, mas tentava fazer as atividades;, ela conta. O garoto derrubou todas as teorias que a professora aprendera na faculdade. ;O olhar dele era diferente, de gente que diz: ;Eu quero aprender, quero viver com dignidade;. Apostei nele na hora;, lembra a educadora. Aluno e professora travaram uma amizade cheia de cumplicidade. Um entendia o outro apenas no olhar. Um dia, do nada, ele pedia que ela o ensinasse a escrever. Ela se espantou. Mas logo encontrou a resposta: ;A vida é feita de adaptações. Ele vai escrever de alguma maneira, seja como for...;. Jeferson mudou de escola. Foi matriculado no ensino regular. Crislei não seria mais sua professora. Mas nem assim ela o deixou. Acompanhava-o em casa. Ele passou a escrever com a boca. No começo, foi complicado. Não conseguia segurar o lápis. Mas insistiu. Vieram os calos na língua, lágrimas de emoção ao conseguir rabiscar a primeira palavra. O próprio nome. O nome da professora. A primeira redação. Tudo era comemorado. Até que surgiu a idéia, proposta pela professora, de Jeferson escrever um livro. Contaria ali sua vida, seus sonhos, sua esperança. Topou na hora. Seis anos se passaram. Folhas e mais folhas de caderno se encharcaram de palavras desenhadas em letra de forma. A vida, escrita com a boca, tomava rumo. E todo o sonho virou realidade nesta semana. A obra está pronta. Os preparativos e toda ansiedade agora são para o lançamento. Jeferson empolga-se. Mal acredita que é verdade. Os olhos negros brilham. O sorriso emociona. E ele tem mais um plano: com o dinheiro que conseguir juntar da venda da obra, comprará sua cadeira de rodas motorizada, a luta de toda uma vida. ;É pra minha mãe não fazer mais força comigo quando for me levar pra escola;, diz. Cleide se comove com a preocupação do filho. Ele a olha com compaixão. Hoje, Jeferson tem certeza de que, mesmo sem nunca ter andado, consegue voar mais alto que a pipa que o irmãozinho empina na capa do seu livro. E, se voa, sonha. Foi assim que ele escreveu cada linha de sua história. Lição de Vida O livro será lançado no próximo dia 17, às 15h30, na Administração de Planaltina. Na noite do 22, às 19h30, será autografado no Carpe Diem, na 104 Sul. Contatos: professora Crislei ; 8177-1968 ; e Cleide, a mãe ; 9128-8849

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