Cidades

Quinze mil pessoas aguardam na fila por cirurgias eletivas no DF

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postado em 15/12/2008 08:10
Aos 87 anos, a aposentada Elizabete Nunes de Oliveira sonha em recuperar a visão. Ela precisa de uma cirurgia de catarata e há quase dois anos espera na fila para ser operada. Dia a dia, a dificuldade para enxergar aumenta e dona Beta, como é chamada, vê cada vez mais distante a perspectiva de retomar as atividades de costura e bordado. ;Não é só porque estou velha que preciso sentar e esperar a morte. Quero fazer a cirurgia e voltar a enxergar direito;, conta a moradora de Ceilândia. Assim como Elizabete, cerca de 15 mil brasilienses esperam na fila por uma cirurgia eletiva ; em que não há urgência. São pessoas com problemas ortopédicos, pedras na vesícula, doenças oftalmológicas, cálculos renais ou que precisam de cirurgias plásticas. Em comum, todas convivem com a incerteza e enfrentam idas e vindas aos hospitais e laboratórios. Pelejam para fazer exames, que vencem enquanto os pacientes aguardam a chance de entrar no centro operatório. Os hospitais da rede pública do DF realizam, em média, 1,7 mil cirurgias eletivas por mês. Seria preciso dobrar o número de procedimentos durante quase nove meses para acabar com a fila. Mas, além das eletivas, os médicos têm de fazer cerca de 1,4 mil operações de emergência por mês, o que frusta os pacientes com data marcada para serem operados. A espera por procedimentos eletivos está relacionada, entre outros problemas, à falta de pessoal. O diretor Regional de Saúde do Gama, Robson Brito, conta que, entre os pacientes da emergência e os que esperam por cirurgias eletivas, os médicos privilegiam os primeiros. ;O HRG tem seis salas cirúrgicas, mas não há anestesistas para todas. Quando o anestesista de plantão está em uma cirurgia de urgência, somos obrigados a cancelar a eletiva;, reconhece Brito, relatando uma realidade comum aos outros hospitais do sistema. Outra situação problemática ocorre quando os pacientes à espera de cirurgia são obrigados a permanecer internados indefinidamente no hospital. Na Ortopedia do HRG, 40 pessoas estão nessa situação. ;Elas deveriam ter sido operadas em no máximo 72 horas, mas alguns já aguardam há mais de 20 dias;, lamenta Brito. As cirurgias ortopédicas exigem a maior espera. Cerca de 5 mil pacientes aguardam para fazer operações de ligamentos de joelho, pés ou para corrigir lesões em meniscos. Para tentar minimizar o problema, o governo implantou um esquema de plantão em que, todos os sábados, cada hospital deve realizar quatro operações ortopédicas. Os profissionais recebem hora extra. ;A quantidade de pacientes que chegam com traumas nas emergências é enorme. Falta estrutura para atender essa demanda;, explica a gerente de Recursos Médicos e Hospitalares da Secretaria de Saúde, Cláudia Machado. Enquanto esperam para serem operados, os pacientes enfrentam dificuldades na rotina e, muitas vezes, deixam de trabalhar. É o caso da copeira Bertulina Ferreira da Paz, 52 anos. Por conta de um problema na bexiga, ela tem incontinência urinária. Precisa de cirurgia para controlar o fluxo urinário. ;É humilhante, não posso nem pegar um ônibus porque as pessoas começam a sentir o cheiro de urina e me olham torto;, diz. Bertulina tem ainda cálculo renal e pedras na vesícula. Já procurou os hospitais de Base, Regional da Asa Norte e Universitário de Brasília, mas não consegue marcar uma data para as cirurgias. Demora Pessoas esperando por cirurgias eletivas: Ortopédicas 5 mil Pediátricas 3 mil Vasculares 2 mil Cirurgias de otorrinolaringologia 2 mil Oftalmológicas 1 mil Outras cerca de 2 mil Mutirão e mais médicos O secretário de Saúde do DF, Augusto Carvalho, explica que a meta do governo é zerar a fila de cirurgia. ;Nem que para isso tenhamos que contratar a iniciativa privada;, garante. O governo vai ainda organizar mutirões de operações oftalmológicas e ortopédicas, que serão realizados em parceria com associações de maçons e com o Rotary Clube. ;Sabemos de mulheres que fazem mastectomia (retirada da glândula mamária) e esperam mais de cinco anos por uma cirurgia plástica. Nossa meta é acabar com a fila de espera;, afirma Augusto Carvalho. Para minimizar os impactos da falta de pessoal no atendimento e na realização de cirurgias, o GDF convocou em novembro 1.415 profissionais concursados, entre médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos e auxiliares administrativos. Na última sexta-feira, foram mais 961. Todo esse contingente será encaminhado às regionais, mas Gama e Ceilândia terão prioridade. ;A convocação terá impactos positivos rapidamente;, destaca o secretário. A expectativa é de que as contratações reduzam a fila de espera nas cirurgias eletivas. Exames vencidos A cozinheira Aglete Batista Gama, 27 anos, sonha com uma operação corretiva para o filho Pablo, de apenas 2 anos. O menino nasceu com lábio leporino e já passou por uma cirurgia. Mas ainda falta o procedimento para repor um osso e corrigir o lábio. ;Fizemos os exames três vezes e todos venceram. Vamos ao Hran, mas eles dizem que não têm anestesista suficiente;, reclama Aglete. ;Está na época de os dentinhos dele nascerem, mas como falta um osso, ele não consegue mastigar;, acrescenta a mãe do menino. As cirurgias pediátricas respondem por cerca de 20% da fila. No Hospital Regional da Asa Sul (Hras), especializado no atendimento a crianças, há pelo menos 3 mil meninos e meninas aguardando pela chance de entrar no centro cirúrgico. Nesta época do ano, o problema se agrava. Com o fim do ano letivo, muitos pais saem em busca de vagas para operar os filhos nas férias, sem precisar perder aulas. ;A maioria das crianças na fila de espera por uma cirurgia eletiva vem de outros estados, especialmente nas férias escolares;, conta o diretor do Hras, Alberto Henrique Barbosa. Crianças Entre as cirurgias pediátricas com maior demanda estão as de amígdala, desvio de septo e hérnia. Mas também há espera por procedimentos de maior complexidade, como correção de má formação no aparelho intestinal e urinário e cirurgias oncológicas. Segundo a direção do Hras, o tempo médio de espera na unidade é de seis meses, especialmente nos procedimentos mais complexos, que demandam grande tempo de internação. ;Com as medidas adotadas pela Secretaria de Saúde, esse prazo deve cair para, no máximo, três meses;, garante o diretor da unidade. Ele conta que a falta de pessoal é um dos fatores que alonga a fila de espera. ;Temos dificuldades para contratar anestesistas e cirurgiões pediátricos. Faltam profissionais qualificados no mercado de trabalho;, acrescenta Alberto Barbosa.

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